Um jantar em que Clinton e Trump estão na mesma sala pode sempre transformar-se noutra coisa

Os dois candidatos à Presidência americana estiveram quinta-feira numa angariação de fundos em que deveriam dizer piadas um sobre o outro. Trump foi fiel a si mesmo e chegou a ser apupado, Hillary foi mais contida, mas não se coibiu de o atacar várias vezes.

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Donald Trump foi o primeiro dos candidatos a discursar no jantar de quinta-feira AFP/BRENDAN SMIALOWSKI

Como diz o diário The Washington Post, estavam à partida reunidas as condições para que um jantar de beneficência em Nova Iorque, recheado de importantes (e ricos) convidados, se transformasse noutra coisa. É que entre esses convidados sentados à mesa estavam Hillary Clinton e Donald Trump, apenas um dia depois do último e acalorado debate televisivo entre os dois candidatos à Presidência americana. E a isto é preciso juntar o facto de se esperar de ambos que falassem e que, durante essa breve intervenção, dissessem piadas um sobre o outro.

Trump, o primeiro a subir ao púlpito, pareceu ter confundido o contexto em que discursava – o que disse era mais adequado a um comício republicano com a sua marca inconfundível do que a um jantar destinado a angariar fundos para organizações de caridade católicas que apoiam crianças – e fez uma série de acusações a Clinton. E se a resposta da sala passou algumas vezes por risos e gargalhadas, outras houve em que o candidato republicano foi apupado. Como nestas: “Hillary é tão corrupta que foi corrida da Comissão Watergate [criada para investigar o célebre escândalo político que envolveu a Administração Nixon na campanha presidencial de 1972]. Quão corrupto é preciso ser-se para ser corrido da Comissão Watergate?”, perguntou, referindo-se também a um alegado desvio de fundos destinados ao Haiti na Fundação Clinton. “Aprendemos tanto com o WikiLeaks... Aprendemos, por exemplo, que Hillary acredita que é vital enganar as pessoas tendo uma política em público e outra completamente diferente em privado… E aqui está ela esta noite, em público, fingindo que não odeia os católicos”, acrescentou, num jantar presidido pelo arcebispo de Nova Iorque, Timothy Dolan. Os convidados não gostaram.

Clinton arrancou menos risos à audiência, mas não entrou no jogo mais agressivo de Trump, ainda que não tenha deixado de o criticar, fazendo referência, por exemplo, aos seus frequentes comentários machistas ou xenófobos e à sua estreita relação com o Presidente russo, Vladimir Putin.

Procurando cumprir as expectativas – por regra nestes jantares que têm um democrata por patrono, Alfred E. Smith (1873-1944), antigo governador de Nova Iorque e também ele candidato à presidência – a ex-secretária de Estado não dispensou a auto-ironia: “Este evento é tão especial que eu resolvi fazer uma pausa no meu rigoroso horário da sesta… Eu estar aqui é também uma espécie de guloseima para todos vocês – é que eu costumo cobrar muito dinheiro por discursos como este.”

Mais à frente haveria de acrescentar: “As pessoas dizem, e eu já as ouvi dizer, que eu sou muito aborrecida quando comparada com Donald, mas eu não sou nada aborrecida. Eu fui a alma de todas as festas em que estive, e já estive em três...”

É claro que, mesmo sem entrar no registo do adversário, Trump foi o seu alvo preferencial: “E porque este jantar é por uma causa tão nobre, Donald, se em algum momento não gostar do que eu estou a dizer, não se coíba de se levantar e gritar ‘errado!’ enquanto eu falo [algo que o republicano fez recorrentemente nos debates televisivos].” Os mesmos debates em que a candidata diz ter demonstrado a sua energia, algo que o seu oponente republicano diz que ela não tem. “Tive de ouvir Donald durante três debates inteiros e ele ainda diz que eu não tenho resistência… São quatro horas e meia. Agora eu já posso dizer que estive ao pé de Donald Trump mais tempo do que qualquer um dos seus directores de campanha.”

“É óptimo estar aqui com mil pessoas maravilhosas, aquilo a que eu chamo habitualmente um pequeno, íntimo, jantar com alguns amigos. Ou a que Hillary chama a sua maior plateia esta temporada”, dissera, por seu turno, o multimilionário, momentos antes, brincando com o arcebispo de Nova Iorque, numa das suas poucas tiradas que não tinham a adversária democrata como alvo. “Como sabem, eu e o cardeal Dolan temos algumas coisas em comum. Por exemplo, ambos dirigimos propriedades impressionantes na 5.ª Avenida. É claro que a dele é mais impressionante do que a minha”, disse.

Como seria de esperar num anfitrião, o cardeal falou no encerramento de um jantar que, segundo o diário britânico The Guardian, reuniu seis milhões de dólares (5,5 milhões de euros), um número avançado por Alfred E. Smith IV. E para dizer que estava a sentir-se… doente: “Estou a ficar constipado, o que é perfeitamente compreensível, já que estive sentado entre os dois candidatos, naquele que é provavelmente o sítio mais gelado do planeta. Onde é que está o aquecimento global quando precisamos dele?”

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