Deputados pró-Pequim tentam impedir tomada de posse de independentistas em Hong Kong
Dezenas de deputados locais abandonaram uma sessão parlamentar em que dois deputados radicais deviam prestar juramento.
Deputados da Assembleia Legislativa de Hong Kong abandonaram uma sessão parlamentar esta quarta-feira, em protesto contra a forma como alguns dos novos membros pronunciaram os seus juramentos. O episódio pode abrir uma crise política inédita no território chinês com uma administração autónoma.
Na sessão inaugural da nova legislatura, na semana passada, cinco deputados prestaram o juramento de forma errada – com alusões independentistas e referências consideradas pejorativas em relação à China. Os cinco parlamentares, eleitos nas eleições do mês passado, deveriam agora repetir o juramento para que pudessem tomar posse.
Esta quarta-feira, quando dois destes deputados tinham já repetido o juramento de forma regular, dezenas de membros da assembleia abandonaram os seus lugares, retirando o quórum necessário para que a sessão pudesse continuar e impedindo o juramento dos outros dois deputados pró-independência. Seguiram-se algumas escaramuças entre os membros das bancadas pró-independência e pró-Pequim, com um deputado a lançar pedaços de carne e outro a empunhar bandeiras de Hong Kong e da China.
O episódio reflecte as divergências entre os dois sectores políticos, que se têm aprofundado desde as grandes manifestações de 2014, conhecida como a “revolução dos guarda-chuvas”, inspirada pelo movimento Occupy. Milhares de pessoas, na sua maioria jovens estudantes de liceu e universitários, organizaram acampamentos em algumas das principais avenidas de Hong Kong, em protesto contra aquilo que dizem ser uma ingerência da China nos assuntos do território.
Desde que passou para a administração chinesa, em 1997, Hong Kong é governado ao abrigo da fórmula “um país, dois sistemas” – apesar de os poderes de soberania pertencerem a Pequim, a antiga colónia britânica tem independência em algumas esferas e goza de certas liberdades que não existem no continente. Os manifestantes estavam contra uma nova lei eleitoral que impede a escolha directa do novo líder do governo regional, cujas eleições estão marcadas para 2017 – actualmente há um comité restrito e muito próximo do Governo chinês que escolhe os candidatos ao posto.
Os protestos terminaram sem que qualquer das reivindicações dos manifestantes tivesse sido alcançada. Mas a fractura social que foi exposta continua a surtir efeito. Nas eleições para a Assembleia Legislativa, no início de Setembro, foram eleitos vários deputados que passaram pelas manifestações de há dois anos.
A nova oposição
O parlamento local tinha já deputados que se opunham à linha pró-Pequim da maioria, mas alguns dos novos parlamentares apresentam uma visão mais radical da política de Hong Kong. Dois foram eleitos pelo partido Youngspiration e definem-se como “localistas”, ou seja, defendem a independência completa do território – um assunto tabu até para a oposição tradicional.
Foi a tomada de posse destes dois deputados, Sixtus “Baggio” Leung e Yau Wai-ching, que foi bloqueada na sessão desta quarta-feira. Na semana passada, os dois trouxeram um cartaz com a frase “Hong Kong não é a China”, juraram fidelidade à “nação de Hong Kong” e pronunciaram China de uma forma considerada ofensiva, que lembra a gíria usada pelos japoneses (considerados por Pequim os grandes inimigos da China).
O presidente da assembleia, Andrew Leung Kwan-yuen, disse que a atitude dos deputados da maioria foi “infeliz”, mas mostrou compreensão. “Sei que existem visões diferentes na sociedade em relação ao comportamento dos dois [deputados independentistas], e os legisladores têm o direito de expressar as suas posições”, afirmou. A deputada Regina Ip disse não aprovar medidas deste género, mas sublinhou não ter tido escolha. “Este é um caso muito excepcional, que envolve um princípio fundamental que diz respeito à lealdade ao nosso país e adesão ao nosso juramento”, acrescentou, citada pela Reuters.
Yau, a deputada que apareceu com um cartaz independentista, disse que são os membros das bancadas pró-Pequim que “realmente traíram o povo de Hong Kong”. Os deputados da maioria têm tentado adiar a tomada de posse dos dois independentistas.
O líder da assembleia disse que a situação está “longe de ser uma crise constitucional”. Mas é incerto o que vai acontecer aos dois deputados. O governo tinha apresentado uma queixa junto do Supremo Tribunal para impedir a tomada de posse dos dois deputados, mas os juízes não deram provimento. Porém, ficou aberta a possibilidade de apresentação de um recurso que pode pôr em causa os lugares dos parlamentares independentistas.