O PPE destruindo aquilo em que toca
A todos os defeitos que já tinha, o PPE está a acrescentar o tribalismo que domina os seus partidos-membros do leste europeu.
Nos velhos tempos dos estudos da integração europeia havia três escolas de pensamento, mais ou menos organizadas segundo a instituição que julgavam ser mais importante no presente e futuro da UE. Os funcionalistas davam mais importância à Comissão Europeia. Os federalistas ao Parlamento Europeu. Os liberais-intergovernamentalistas ao Conselho Europeu.
Já há uns bons anos nos anda a escapar outra coisa: os partidos pan-europeus. Mais especificamente, a importância decisiva do Partido Popular Europeu (PPE). Quase desconhecidos do grande público, cada partido pan-europeu reúne entre si, coordena posições, toma decisões. Se transformássemos a UE numa democracia completa, eles seriam uma das peças centrais da relação dos eleitores com a União. Na situação em que estamos, eles acabam por ver reforçado o seu papel de centro de contactos para políticos ambiciosos nas instituições europeias e nos governos nacionais.
O PPE, que de Portugal inclui o PSD e o CDS, tem mais poder e menos coesão ideológica do que os seus rivais socialistas ou liberais. Pouco há em comum entre democratas-cristãos tradicionais como Merkel e nacionalistas autoritários como Viktor Orbán, da Hungria. No entanto, todos estão no mesmo partido. A partir daí definem estruturas de poder nas instituições que dominam. Os socialistas e liberais, mesmo que tentassem, não conseguiriam fazer tanto mal à União como o PPE. Foi o PPE a força-motriz por detrás da austeridade e da troika. É o PPE que tem branqueado Viktor Orbán, mesmo quando este faz um referendo anti-refugiados apoiado numa ignóbil campanha de mentiras. E é o PPE que estende as suas ambições para lá da União Europeia, apoiando a candidatura de Kristalina Georgieva a secretária-geral da ONU, ao recear que o socialista António Guterres fique com o lugar por ser descaradamente o melhor candidato.
Encontrar-se ou não o melhor candidato para a ONU é indiferente para o PPE. Tal como é indiferente a transparência e integridade do processo de escolha. Viktor Orbán conseguiu aparentemente manipular a posição alemã e um líder político búlgaro já o disse: “o SG da ONU deve ser de direita, como são de direita as pessoas que mandam no Conselho da Europa e na Comissão Europeia”. A todos os defeitos que já tinha, o PPE está a acrescentar o tribalismo que domina os seus partidos-membros do leste europeu.
Que um operacional do PPE como Mário David, ex-eurodeputado do PSD condecorado por Orbán, apoie a candidatura de Georgieva não nos deve chocar por razões patrióticas. Ele teria esse direito se achasse que ela era a melhor candidata — já deveria é tê-lo feito antes. O que nos deve chocar é o silêncio do PSD, do CDS, e de todos os partidos do PPE, perante uma comissária que abandona a feitura do orçamento da União para ir distorcer o processo de escolha nas Nações Unidas. Deixar uma coisa a meio para ir destruir outra por inteiro é típico do PPE.
Este passo pode, espero eu, ser maior do que a perna. Nenhum dos membros permanentes no Conselho de Segurança da ONU tem governos do PPE. Mesmo assim, que sirva de alerta: a Europa tem um problema neste partido que trocou de uma vez por todas o rumo das ideias pela bússola do poder.