Rússia e Ucrânia reacendem as tensões militares na Crimeia
Uma suposta tentativa de atentado na península lançou ucranianos e russos numa rota de colisão. O reacender de ameaças pode pôr Minsk em perigo.
As tensões militares na Crimeia abandonaram o seu habitual estado de dormência e em poucos dias atingiram o nível mais elevado desde que há dois anos a península ucraniana foi anexada pela Rússia. Moscovo e Kiev têm reforçado os seus exércitos em redor do território disputado, anunciaram exercícios provocadores e parecem preparar-se para um novo confronto armado. Esta sexta-feira, por exemplo, o Exército russo mobilizava para a Crimeia o seu mais avançado sistema anti-aéreo, capaz de destruir mísseis e aviões modernos.
Na base das tensões renovadas está uma suposta tentativa de ataque terrorista na Crimeia. Os serviços de informação russos do FSB dizem ter travado um grupo de sabotadores ucranianos perto da fronteira com a Ucrânia, armados e com explosivos. Seguiu-se uma troca de tiros que matou um agente russo, a fuga de alguns dos atacantes e a detenção de sete suspeitos. No dia seguinte — ainda segundo a versão russa — o exército ucraniano lançou uma salva de ataques de morteiro que mataram mais um soldado e feriram outros.
Como muito no conflito ucraniano, há mais do que uma versão para a mesma história. Kiev nega todas as acusações e os Estados Unidos e União Europeia exigem provas do lado russo de que se deu verdadeiramente uma tentativa de infiltração. Um grupo de activistas que usa informação disponível na Internet e que se tornou notório durante o conflito de 2014 diz que há indícios de uma troca de tiros na fronteira na noite de sábado, mas assegura que não existe nada que comprove os alegados morteiros disparados do lado ucraniano.
A Ucrânia procura um novo passado para mudar o presente
Para Moscovo, porém, o caso está fechado e as consequências à vista. “Obviamente não permitiremos que isto aconteça”, disse o Presidente Vladimir Putin na quarta-feira, ameaçando não participar nas próximas negociações do chamado “Formato Normandia”, agendadas para a reunião dos G-20 com o líder russo, ucraniano, francês e alemã. Estes encontros foram um dos poucos sucessos dos acordos de Minsk e a saída de Putin significaria o fim de um dos únicos canais oficiais de comunicação entre a Ucrânia e a Rússia.
Desde que o FSB revelou a tentativa de infiltração ucraniana, despontam imagens nas redes sociais de colunas militares russas em direcção à península contestada. Do lado ucraniano, o Exército foi colocado em “estado de prontidão de combate”, segundo revelou o Presidente Petro Poroshenko na quinta-feira. Ambas as forças armadas começaram exercícios militares: os ucranianos no Sul do país, os russos no Mar Negro, concentrando-se também em operações de combate a “ataques de sabotagem”.
A escalada de tensões na Crimeia coincide com o aumento de violência no Leste da Ucrânia, onde os acordos de Minsk foram incapazes de travar os disparos de artilharia e rockets entre militares ucranianos e separatistas. Poucos parecem acreditar que o reacender das ameaças sobre a península termine em confronto, mas, como explica ao Financial Times o coordenador da política alemã para a Rússia, Gernot Erler, há pelo menos a indicação de que “os dois lados estão a sair da lógica da discussão política para a lógica do conflito militar”.
Os media ocidentais interpretam os acontecimentos na Crimeia por um prisma “putinesco”, pondo à prova uma nova intervenção militar russa e discutindo o que poderá ter levado Putin a acicatar as tensões — apesar de não existirem provas de que o Kremlin fabricou o caso e de a Crimeia já ter sido atingida antes por ataques deste género. Putin, escreve-se, pode querer distrair o eleitorado dos problemas económicos russos — há eleições legislativas em Setembro —, perpetuar a instabilidade na Ucrânia ou distanciar-se do acordo de Minsk.
Qualquer que seja a interpretação, o consenso parece ser o de que há mais razões para a não confrontação do que para o conflito aberto. “Melhor razão para entrar em guerra seriam as próprias acções de que os detidos são acusados. Capturar espiões é um causus belli menos convincente do que as explosões” que os supostos sabotadores queriam executar, argumenta Alexander Baunov, do centro da Carnegie em Moscovo.