O atentado de Munique: mediatização excessiva e comentários desinformadores

A tendência para o comentário a quente, em cima do acontecimento, sem factos estabelecidos, provoca o aumento do ruído e da especulação. No pior dos casos, desinforma.

1. Munique, 22 de Julho de 2016. Mais um atentado, agora num centro comercial desta cidade. Pelo que se sabe hoje, o autor terá sido um jovem alemão de origem iraniana, com dupla nacionalidade, cujo nome será Ali Sonboly. Matou várias pessoas, entre as quais diversos jovens, e feriu outras com gravidade. Os motivos do atentado ainda não são totalmente claros. Na altura da ocorrência, ao final da tarde de 22 de Jullho — para além dos disparos, de algumas vítimas e do pânico da população na zona da ocorrência —, os factos eram muito escassos e os motivos desconhecidos. No entanto, a qualificação do acto como terrorismo, a atribuição da autoria ao Daesh (Estado Islâmico) começou logo a funcionar nos comentários, mais aos menos precipitados aos acontecimentos, especialmente nos canais de informação. A partir de certa altura, a possível autoria, começou, também, a ser atribuída a grupos de extrema-direita. Pelo que sabemos agora, nada disso se confirma. Olhemos mais serenamente para os factos e para as mais plausíveis interpretações destes. Sejamos, também, prudentes nas hipóteses e paralelismos que estabelecemos.

2. Uma primeira questão é a da qualificação da ocorrência como terrorismo. Embora o conceito de terrorismo não seja consensual — longe disso —, pressupõe, para ter sentido útil, que o seu uso seja feito com algum rigor e não de maneira demasiado livre. O terrorismo, pelo menos aquele que preocupa os europeus nos últimos tempos, implica, também, uma actuação com uma motivação política — é o uso de uma violência extrema e indiscriminada para fins políticos. Ora, pelo que se sabe da informação oficial das autoridades, o jovem Ali Sonboly não actuou com qualquer motivação política. Seria um jovem pouco sociável, com problema psicológicos, que, aparentemente, teria sido alvo de bullying na escola, ou seja, de violência física e psicológica. Eventualmente esta teria sido feita por colegas de escola turcos, ou de outros países muçulmanos, por exemplo do Kosovo, na escola que frequentou. É uma possível interpretação para algumas frases insultuosas contra estrangeiros, que se ouvem em vídeos da ocorrência, e para o facto de parecer ter escolhido essas vítimas. A confirmar-se esta informação factual, o caso provavelmente estará mais próximo, por exemplo, de tiroteios em escolas, contra alunos e / ou professores. Não parece enquadrar-se num qualquer uso rigoroso do termo terrorismo. É, sem dúvida, um crime horrível, mas, provavelmente, não mais do que isso.

3. A hipótese do Daesh, que alimentou muito do comentário prematuro, sai completamente descredibilizada. Foi negada, pelo menos até agora, pelas autoridades oficiais, qualquer conexão orgânica ou inspiração ideológica. Pelo que sabemos agora, é até ridícula. Sendo de origem iraniana, e sendo o seu nome Ali Sonboly, será provavelmente um muçulmano xiita. O seu nome, Ali, é um nome simbólico do Islão xiita — os xiitas são os partidários de Ali na sucessão do Profeta Maomé. A oposição sunitas / xiitas é uma querela que envenena as relações no Islão desde os seus primórdios, estando na origem de lutas fratricidas. É bem conhecido — ou deveria ser, para aqueles que pretendem informar com o seu comentário —, que o Daesh é um islamismo-jihadista originário do Islão sunita. Os xiitas são um dos seus maiores alvos a abater. É assim na guerra da Síria e no Iraque. Seria estranho, e particularmente anómalo, se um jovem xiita (admitindo que o nome se confirma ser Ali Sonboly e nasceu mesmo numa família xiita), fosse um adepto do Daesh. Por isso, dar também credibilidade ao regozijo do Daesh pelo atentado, apesar do histórico de atentados terroristas anteriores, mostra a precipitação em querer estabelecer uma autoria. Mostra, também, como os media ocidentais são usados para a propaganda do Daesh e amplificam a sua mensagem, por vezes de uma maneira completamente desnecessária.

4. Outra hipótese colocada foi tratar-se de um acto de terrorismo de extrema-direita. Anders Breivik, precisamente a 22 de Julho de 2011, na Noruega, tinha feito dezenas de vítimas num tiroteio. Apresentava-se como defensor da Europa contra a invasão islâmica, mas tinha uma estranha e absurda forma de defender a Europa e os seus valores. O seu ideário estava próximo do Nazismo — como se pode ver no seu confuso e radical manifesto político, intitulado 2083: Uma Declaração Europeia de Independência de Anders Breivik. No plano dos actos, a sua violência e terror indiscriminado contra inocentes mimetizava os atentados dos islamistas-jihadistas, os quais dizia combater. Exceptuando o aparecimento de novos dados que apontem para facetas até agora desconhecidas, não parece nada plausível que o jovem iraniano, Ali Sonboly, se tenha deixado influenciar pelo ideário neo-nazi de 2083: Uma Declaração Europeia de Independência de Anders Breivik. Seria insólito que, sendo este também um dos alvos a abater, como iraniano e não europeu de origem, se deixasse influenciar por este. Há paralelismos que obscurecem mais do que clarificam. O único sentido útil de tal comparação — que terá sido mencionado pela polícia alemã como uma das pistas —, poderá ser a semelhança com uma actuação isolada de um indivíduo com problemas psicológicos graves, auto-radicalizado e com um fascínio mórbido por mortes a tiro.

5. Parte da confusão que se instalou tem a ver com o tipo de terrorismo que estamos a enfrentar na Europa. O terrorismo clássico actuava, e continua actuar, com grupos organizados e células terroristas. É um terrorismo orgânico. Nos últimos tempos, surgiu uma outra forma de terrorismo que actua de forma inorgânica e visa a população civil indiscriminadamente. Resulta sobretudo do apelo ideológico do islamismo-jihadismo a que aderem indivíduos propensos ao radicalismo. Encontram aí uma missão e uma forma de redenção. É um terrorismo atomizado, produto da actual sociedade em rede e da facilidade com que a informação circula. Tem um grande impacto psicológico porque é muito difícil de prevenir em sociedades democráticas e abertas. Outra parte da confusão liga-se à actual sociedade em rede, onde tudo tem de ser instantâneo. Quando ocorrem actos que podem ser de terrorismo, ou não, os media ficam no centro de um dilema informativo e ético delicado. Sentem-se num direito / dever de informar a população, o que, aliás, é a sua razão de existência. Têm, também, de lutar pelas audiências. Mas, a tendência para o comentário a quente, em cima do acontecimento, sem factos estabelecidos, provoca o aumento do ruído e da especulação. No pior dos casos, desinforma. O atentado de 22 de Julho, em Munique, mostrou bem esse problema. Não deixemos que os muitos populismos, que se alimentam, também, de pânicos exagerados e de ideias falaciosas, ganhem ainda mais terreno com isso.

Investigador

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