“Vá-se embora, homem”, disse Cameron a Corbyn

Líder trabalhista resiste mas o clamor para a sua demissão cresce. "Ele sabe que tem de sair", diz Gordon Brown.

Foto
David Cameron durante a sessão na Câmara dos Comuns AFP

David Cameron mal teve tempo para digerir o seu último repasto com os parceiros do clube dos Estados-membros da União Europeia. O chefe do Governo britânico, demissionário desde a semana passada, aterrou de Bruxelas quase directamente para a habitual sessão de perguntas ao primeiro-ministro no Parlamento de Londres, onde, pela primeira vez desde a confirmação do “Brexit”, se discutia como será o futuro do Reino Unido fora da Europa. E onde, ao que tudo indica, terá tido o seu derradeiro duelo com Jeremy Corbyn, o líder trabalhista que perdeu a autoridade política sobre os seus parlamentares.

A sessão adivinhava-se difícil para Cameron, derrotado no referendo do “Brexit” — a sua entrada na sala foi parcialmente ignorada pela bancada conservadora, cujo principal interesse no momento é cavar trincheiras e contar espingardas para a batalha pela sua sucessão. Mas em muito pior situação está Jeremy Corbyn, que ainda antes de se demitir já tem adversários declarados a lutar pela sua liderança (mas não o seu vice, Tom Watson, que garantiu à BBC que apesar de querer a saída de Corbyn, não tenciona lutar pelo seu cargo).

Assim que usou da palavra, o líder trabalhista mencionou o estado de incerteza e ansiedade em que o país vive desde sexta-feira, e perguntou o que vai ser feito para “estabilizar a situação”. Referia-se naturalmente ao “Brexit”, mas na realidade poderia estar a falar dele próprio: ninguém se encontra em situação mais instável do que Corbyn, que manteve a cara fechada, e um ar estóico, enquanto atirava contra Cameron e ignorava os risos dos seus correligionários.

A certa altura, o primeiro-ministro demissionário não se conteve e expressou aquilo que está na cabeça de quase toda a bancada trabalhista: a permanência de Corbyn à frente do Labour “pode ser do interesse do Partido Conservador mas não é do interesse nacional”, disse. “Por amor de Deus, homem, vá-se embora”, aconselhou Cameron, que apesar dessa tirada, tratou o adversário com uma cordialidade atípica (“relutante em atingir a jugular”, foi como descreveu o editor do Telegraph, Steven Swinford).

O mesmo conselho foi depois repetido pelo último primeiro-ministro trabalhista, Gordon Brown, que em declarações à Sky News deu a saída de Corbyn como um facto consumado. “Não me parece que ele vá continuar, ele sabe que tem de sair”, disse à saída de um evento em Edimburgo além de Brown, outros 200 trabalhistas escoceses subscreveram uma carta aberta a pedir a Corbyn para se afastar.

Mais do que discutir a posição de Corbyn, Gordon Brown pensa que o que o Labour precisa de decidir é se “é um partido de poder, com princípios que quer implementar na prática, ou um partido de oposição”. Se a primeira hipótese prevalecer, a questão seguinte é: como é que o partido responde aos problemas que o país enfrenta e aos desafios do futuro, e vence as eleições.

Ed Miliband, o predecessor de Corbyn, repetiu o apelo à demissão, mas esclareceu que não o faz por defender o regresso do Labour à Terceira Via de Tony Blair e Gordon Brown, mas por entender que a posição do líder dentro do partido está irremediavelmente comprometida. “Eu até subscrevo muitas das ideias de Corbyn, mas ele não tem o apoio da maioria dos deputados. O país está em crise e o Labour precisa de afinar a sua resposta ao ‘Brexit’”, lembrou.

A divisão entre a bancada parlamentar e os militantes e apoiantes do Labour ficou exposta em todo o seu esplendor esta quarta-feira, com as deserções na Câmara dos Comuns a prosseguir em ritmo acelerado, e as manifestações de solidariedade com Jeremy Corbyn a engrossarem: além dos sindicatos, e de 45 das 50 das comissões políticas do partido que o nomearam em Setembro de 2015, ainda contou com o apoio do antigo mayor londrino Ken Livingstone e até do primeiro-ministro da Grécia, Alexis Tsipras.

No lado conservador, o antigo secretário da Defesa Liam Fox entrou formalmente na corrida à liderança do partido, depois de o secretário do Trabalho e Pensões, Stephen Crabb, ter avançado uma candidatura conjunta com Sajid Javid, que detém a pasta da Economia. Os concorrentes terão de se apresentar até ao meio-dia desta quinta-feira: os dois favoritos são o ex-mayor de Londres Boris Johnson e a ministra do Interior, Theresa May, mas para já nenhum deles oficializou a candidatura.

Sugerir correcção
Ler 14 comentários