Como os portugueses olham para o "Brexit"

O PÚBLICO pediu depoimentos a personalidades de diversas áreas da sociedade portuguesa a propósito do referendo no Reino Unido. Foram escritos após sa vitória do "Brexit" ser dada como certa.

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PHILIPPE HUGUEN/AFP

Todos os depoimentos compilados nesta página foram originalmente publicados a 24 de Junho, data em que se ficaram a conhecer os resultados do referendo sobre a permanência do Reino Unido na União Europeia.

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O princípio de outra história?

Maria Manuel Leitão Marques, ministra da Presidência e da Modernização Administrativa

A União Europeia inicia hoje o momento mais difícil da sua história como União.

Perdeu hoje um dos seus Estados. Até agora só tinha ganho novos membros. Perdeu diversidade e perdeu um País que eu me habituei, desde cedo, a associar à construção e à defesa da Democracia, a deles e a da Europa.

Mais do que o impacto económico nos mercados, preocupa-me o impacto no projeto, que sempre foi muito mais do que um projeto económico. Por muito que às vezes isso tenha sido esquecido (sobretudo durante a crise) esta Europa, a da União, é uma forma de vida, que se compõe de liberdade, de entreajuda e de segurança. Não a trocava por qualquer outra das que conheço no mundo.

Não me identifico com as razões que justificam esta votação, que significa a vitória do medo e do preconceito sobre a solidariedade e a diversidade de culturas. Porém, este referendo, para além de tudo o resto, é também um alerta para as instituições Europeias. Exige refletir sobre o exercício, por vezes excessivamente tecnocrático e sobranceiro, de alguns responsáveis e funcionários europeus perante os Estados-Membros. Deve lembrar-nos que a Europa somos todos nós, os cidadãos europeus, que é preciso manter unidos e convencidos da bondade essencial do projeto.

Inicio este dia com tristeza, pensando em Jo Cox que morreu por uma causa. Espero, que, apesar deste resultado, a causa dela, que é também a minha, não seja uma causa perdida para a Europa.

Nota aparte: Coisa pequena, neste contexto, mas como Ministra da Modernização Administrativa, sinto que perdemos também um dos principais aliados na redução de burocracia desnecessária no seio das instituições europeias.

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Um dia mau para Portugal

Eduardo Cabrita, ministro adjunto do primeiro-ministro

É um dia triste para a Europa. É um dia mau para Portugal. Sem o Reino Unido a Europa fica imperfeita e Portugal sem o seu mais antigo aliado. Em democracia devemos respeitar a opção dos britânicos e aproveitar o momento para refletir como o projeto de unidade da Europa democrática pode reencontrar-se com os povos e os cidadãos. Para quem cresceu associando mais democracia a mais Europa é tempo de evitar a precipitação e a emoção e pensar num novo tempo para a Europa. Devemos respeitar a opção dos britânicos e aproveitar o momento para refletir como o projeto de unidade da Europa democrática pode reencontrar-se com os povos e os cidadãos.

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Europa deve "regressar ao seu projecto matricial"

Luís Filipe Castro Mendes, ministro da Cultura

É uma má notícia para a Europa, uma má notícia para o projecto europeu e é uma má notícia para o Reino Unido. Mas é também um acontecimento que nos deve fazer reflectir profundamente na necessidade de a Europa regressar ao seu projecto matricial, ao seu projecto fundador de solidariedade, de integração, de democracia, de economia social.

É nesse sentido que teremos de caminhar, porque a Europa só será Europa se fizer frente aos desvios e às tergiversações que ultimamente tem conhecido o projecto europeu e souber reencontrar a plenitude dos seus valores: economia social de mercado, democracia, igualdade soberana dos estados, caminho para uma cada vez maior integração, rumo mesmo a uma integração política, já que só ela poderá conferir plena legitimidade democrática às escolhas públicas. 

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Por uma nova União Europeia

Pedro Russo, astrónomo e professor na Universidade de Leiden, Holanda

Cresci com a União Europeia (UE). Lembro-me da adesão de Portugal, da entrada de novos países, da abolição das fronteiras, da moeda única, dos estudantes Erasmus e muito mais. Hoje trabalho na Holanda, onde, com fundos estruturais da UE, desenvolvo projectos educativos e científicos com educadores e cientistas de todo o mundo.

A lista de benefícios da UE para vários quadrantes da sociedade é longa, mas infelizmente por toda a Europa há sectores da sociedade que se sentem abandonados pelas políticas da união e dos seus governos. A nível nacional esse abandono tem um bode expiatório perfeito: a "distante e austera" UE. No Reino Unido, a vitória do "Brexit" não é um voto dos "pobres, rurais e incultos", mas sim um voto de sectores da sociedade descontentes com as políticas das últimas décadas. E esse sentimento de abandono, com um discurso populista e por vezes enganador, foi terreno fértil para posições assustadoramente extremas (como a xenofobia) em toda a campanha do "Brexit". 

Mas agora precisamos urgentemente de reforçar as fundações sociais da UE e repensar a política de desenvolvimento socioecónomico das regiões e sectores da sociedade que têm consecutivamente sido abandonados. Hoje, mais do que nunca, precisamos de uma UE onde os valores sociais prevaleçam sobre os económicos.

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Mais uma mudança de mapas, não há atlas que perdure…

Cristiana Bastos, antropóloga do ICS da Universidade de Lisboa

Dos amigos em Inglaterra recebo notícias de decepção, angústia e frustração com o resultado deste referendo, com o que o explica, com os cenários de medo, xenofobia, racismo e alienação que se antevêem. Da Escócia, as más notícias vêm seguidas da promessa que está no ar: “UKexit” e reingresso directo na União Europeia. Do país de Gales não me chega nada, os galeses que conheço estão em Londres, e em Londres não falta quem queira o “UKexit” da cidade.  E na Irlanda do Norte há propostas de junção com a república a sul para deixar as águas turvas para onde o referendo os atirou.  Ou seja, mais uma mudança de mapas, não há atlas que perdure…

A situação é preocupante para quem está no Reino Unido e para quem não está. Adivinham-se efeitos dominó, nacionalismos em roda livre, de novo o espectro da guerra (quem emitiu comentários complacentes ao contentamento tardio dos croatas no seu ingresso não conhece certamente o cheiro da guerra), a persistência da xenofobia.

Quem conhece a história do século XX fica em estado de alerta. Que estes resultados e o que deles advém ajude os demais a reflectir, e que ajude a União Europeia a inflectir no disparatado desporto do tiro-ao-pé que tanto e com tantos tem praticado, como bem sabem os portugueses, os gregos, os espanhóis, etc.  E um desejo, em cima de um receio: que dos Estados Unidos venham melhores notícias.

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Derrota do projecto europeu

Francisco Bethencourt, professor Charles Boxer do King's College, Universidade de Londres

A votação pela saída do Reino Unido da União Europeia significa uma derrota do projecto europeu. Terá consequências económicas drásticas para o próprio Reino Unido: queda da libra, saída de capitais, redução do investimento estrangeiro, transferência de empresas para outros países, diminuição do emprego. O país não tem margem para enfrentar estes problemas: a taxa de juro do Banco de Inglaterra é de 0,5%; o défice da balança de transacções correntes aproxima-se dos 6% do Produto Interno Bruto; a dívida nacional acumulada representa cerca de 80% do PIB.

O papel da City como centro financeiro mundial está ameaçado, assim como outras áreas de excelência, nomeadamente as universidades e a pesquisa científica.

O impacto na Europa será igualmente importante: nova recessão está à vista. O desencanto em relação à União Europeia, alimentado pelos custos sociais da globalização, irá conduzir à saída de outros países.

A ameaça de desintegração da União Europeia é real, com os custos associados de instabilidade política e social num mundo em mudança, onde as guerras civis no Médio Oriente e no Norte de África produzem um enorme drama humanitário e pressão de refugiados. O tempo de turbulência exigirá uma renovação urgente do pensamento e das práticas políticas.

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Realidade actual não é compaginável com o "orgulhosamente sós"

José Manuel Silva, bastonário da Ordem dos Médicos 

Tal como a solução para as desigualdades nacionais e o centralismo de Lisboa não é ‘menos’ mas sim ‘mais’ Portugal, a resposta para as tensões na Europa é a construção de ‘mais’ Europa e não ‘menos’ Europa. O resultado do “Brexit” obrigará e é uma oportunidade para repensar e reconstruir positivamente a Europa. Porém, pelas imprevisíveis consequências para a unidade e economia do Reino Unido, que agora começarão a emergir, talvez este emocional referendo do “Brexit” possa via a ser repetido no futuro, com um resultado quiçá mais racional. A realidade actual já não é compaginável com o ‘orgulhosamente sós’. Portanto, nada é, ainda, definitivo, mas alguma coisa terá de mudar, e ainda bem.

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Um rotundo não ao império germânico

António Garcia Pereira, advogado e antigo dirigente do PCTP/MRPP

A vitória da saída da União Europeia (por 51,7% contra 48,3%) no referendo levado a cabo no Reino Unido assume uma enorme importância, a vários níveis.

Antes de mais, o facto de a questão da saída (tal como a da entrada…) na UE ter sido submetida ao basilar princípio democrático da consulta popular, num referendo, que aliás contou com a participação de quase três quartos (12%) dos cidadãos. Na verdade, numa Europa onde, a começar por Portugal, partidos e dirigentes políticos que nunca pediram, nem nunca como tal se apresentaram a sufrágio, o voto do Povo para promoverem a entrada dos respectivos países na então CEE e mais tarde na União Europeia, bem como na União Económica e Monetária (ou Zona Euro) e antes tomaram essas decisões sempre nas costas do Povo, fazer-se um referendo para que o mesmo Povo diga se quer entrar, ou se quer permanecer, naquelas instituições, é de fazer estarrecer por completo tais partidos e dirigentes, que de democráticos afinal só têm (quando têm) o nome.

Depois, a circunstância de o “sim” à saída da União Europeia ter vencido numa campanha marcada pelas contínuas e maciças operações de intimidação e de intoxicação da opinião pública levadas a cabo pelos grandes interesses económico-financeiros e pelos políticos e opinion makers ao seu serviço.

Na verdade, desde os “mercados” (designação eufemística dada aos grandes especuladores financeiros) e grandes bancos e instituições financeiras, até aos donos de grandes empresas (como a Toyota, a Range Rover e outras), passando pelos chamados dirigentes das chamadas “instituições europeias” bem como pelos governantes nacionais e pelos comentadores e opinadores oficiais, todos, sem excepção, vociferaram as maiores ameaças e procuraram por todos os meios intimidar os eleitores do Reino Unido.

O “socialista” alemão e Presidente do Parlamento Europeu Martin Schulz afirmou que se a “saída” ganhasse, teria que “haver consequências”, até para “evitar que outros possam seguir esse caminho perigoso”. O Presidente do Conselho Europeu Donald Tusk e o Presidente da Comissão Europeia Jean Claude Juncher advertiram insistentemente que a saída do Reino Unido seria um processo perigoso, complexo e moroso. Os “especialistas” e os “economistas” do costume debitaram, com o habitual ar “científico” que os caracteriza, consecutivas previsões de quebras monumentais do PIB e de grave crise económica, financeira e social para o Reino Unido. E o próprio porta-voz do governo francês, o “socialista” Sthéplane Le Foll, ameaçou que se os britânicos votassem pela saída da UE logo se lhes acabariam as ajudas agrícolas e o acesso ao mercado único. Tão curioso quanto significativamente, uma vez conhecido o resultado favorável à saída, eis que os ditos Martin Schulz, Jean Claude Juncker, Donald Tusk e o holandês Mark Rutter (da presidência rotativa holandesa) logo se apressaram a fazer um comunicado conjunto a exigir agora – não vá o exemplo, que nunca esperaram, contagiar outros países… – que o Reino Unido saia da União Europeia “o mais rapidamente possível, por muito doloroso que o processo possa ser”.

Ou seja, o que ontem – para efeitos de tentar arrastar os eleitores – era necessariamente lento, arrastado e difícil, hoje, para efeitos de procurar desesperadamente evitar que outros países europeus sigam o exemplo do Reino Unido, já deve ser feito expedita e rapidamente!

Finalmente, o real significado desta expressão de vontade dos povos britânico e irlandês é que estes já há muito compreenderam que a União Europeia não é a Europa e que, ao contrário do que pensa François Hollande (o qual – recorde-se ainda e uma vez mais – o primeiro acto oficial que praticou logo após a sua eleição foi, com um conservador patriota como De Gaulle às voltas na tumba, ir a Berlim prestar vassalagem a Angela Merkel…), a dita UE não é sequer a partilha da Europa pela França e pela Alemanha, mas antes o controle pelo poderio germânico de todos os países europeus, muito em particular os da zona euro, a começar pela própria França.

E se são forças políticas de direita que aparecem a apoiar, encabeçar ou mesmo dirigir este movimento de recusa de perda de independência nacional e de sujeição ao domínio alemão, tal apenas se deve ao facto de que, como se vê, são os partidos e os políticos que se dizem de “esquerda” que precisamente têm alienado essa mesma independência e vendido os seus países e respectivos recursos ao imperialismo germânico.

A saída do Reino Unido da União Europeia, decidida democraticamente pelo seu povo em referendo, representa e significa, pois, uma violenta bofetada nos demagogos, oportunistas e ameaçadores políticos pró-Alemanha, um magnífico (e, pelos vistos subversivo…) exemplo para os restantes países europeus e, sobretudo, um rotundo “Não!” ao império germânico!

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Um desastre à espera de acontecer

João Magueijo, professor de física no Imperial College de Londres
Microentrevista de Nicolau Ferreira

Esperava este resultado?
50/50.

Como o avalia?
Um desastre à espera de acontecer.

Como vê o seu futuro no Reino Unido?
Igual ao dos britânicos, infelizmente.

O que acha que vai mudar para si?
As coisas mais caras (especialmente a comida), mais burocracia, maiores dificuldades em viajar, menor financiamento da ciência.

Que impacto é que esta decisão vai ter para o Reino Unido?
Mais insularidade. Pior comida. Mais dar o cu aos americanos.

E para a União Europeia?
O problema é que isto pode ter um efeito dominó. Ainda acabamos todos a pintar estrelinhas nas portas das pessoas de que não gostamos.

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Futebol: a força de um símbolo

Leal Amado, professor da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

O futebol é um poderoso amplificador das paixões nacionais, regionais ou locais. Verifica-se nele, frequentemente, um fenómeno de identificação de determinada colectividade com a equipa (a “sua” equipa), de projecção daquela nesta, para onde se canalizam todas as emoções e todas as frustrações, de modo que, quando a equipa vence ou é derrotada é essa mesma colectividade que vence ou é derrotada. Nos nossos dias, marcados pela globalização e por um certo esbatimento das fronteiras, o futebol perfila-se como um importante meio de afirmação de identidades, maxime da identidade nacional — para o demonstrar, basta ver o que se tem passado no campeonato europeu, a decorrer em França.

Ora, se houve actividade laboral profundamente marcada pelo processo de integração europeia e pela jurisprudência do Tribunal de Justiça, essa actividade foi a dos futebolistas profissionais. Há 20 anos, a 15 de dezembro de 1995, o célebre “caso Bosman” teve o condão de fazer penetrar no futebol profissional alguns dos princípios basilares da construção europeia, em especial o princípio da livre circulação dos trabalhadores e o princípio da não discriminação em razão da nacionalidade.

O impacto da histórica decisão do TJ ainda hoje se faz sentir. E nem todas as suas consequências foram positivas. Mas, a traço grosso, ninguém duvidará de que a UE deu um impulso decisivo para a afirmação e consolidação dos direitos dos jogadores de futebol. As consequências do "Brexit" são, por ora, difíceis de prever. Mas, sejam quais forem, não deverão ser benéficas para os atletas profissionais, enquanto trabalhadores. E talvez também o não sejam para o próprio futebol do Reino Unido. A ver vamos…

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Abanão democrático

Ricardo Sá Fernandes, advogado

Há aquela história do homem que quis fazer um fato no melhor alfaiate da cidade. Depois das provas, quando, finalmente, o recebeu, vestiu-o e verificou que uma das mangas estava curta, a outra comprida demais, apertado na barriga, largo na cintura, demasiado curto na perna esquerda e excessivamente longo na direita. Confrontado o alfaiate, este explicou-lhe que o fato estava impecável, mas que ele tinha que aprender a vesti-lo, bastando esticar-se, dobrar-se, estender-se, encolher-se ou inchar-se, consoante a situação. O homem assim procedeu. À saída, ouviu os comentários de dois transeuntes. Um dizia “coitado, que homem tão aleijado”, o outro retorquia “mas tem um alfaiate brilhante”.

À União Europeia aconteceu o mesmo. O fato com que a querem vestir é uma peça desigual, disforme, feia e desarticulada. No referendo britânico há muitas motivações, umas lamentáveis ou até sinistras, outras de quem não desistiu de um projecto europeu mais democrático, solidário e justo. O abanão que provoca pode afundar-nos em nacionalismos xenófobos, mas também pode contribuir para que, como uma fénix renascida, a Europa se reencontre.

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Ignorância, arrogância, incompetência e "Brexit"

Stuart Holland, ex-conselheiro de Harold Wilson

O resultado do referendo no Reino Unido é o corolário da ignorância e da arrogância. Não que aquelas sejam características do eleitorado britânico, antes da Comissão e do Conselho europeus. A arrogância de uma cada vez mais hegemónica Alemanha, personificada pelo seu ministro das Finanças Wolfgang Schäuble que, no Eurogrupo dos ministros das Finanças da zona euro – que não tem qualquer base nos tratados da União – recusou sequer discutir um plano de recuperação económica para a Europa pós-crise de 2007/2008, através de Eurobonds que podiam ajudar a reciclar os excedentes globais e atingir o objectivo estipulado para o emprego, esse sim escrito no artigo 3º do Tratado de funcionamento da UE.

A isso acresce a inconsistência dos compromissos quebrados pelo Presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker. No seu discurso inaugural no Parlamento Europeu, em Junho de 2014, Juncker declarou que a prioridade máxima da sua Presidência seria um “plano de recuperação” de 300 mil milhões de euros, assente em títulos do Banco Europeu de Investimento (BEI). Em Novembro seguinte já tinha permitido que esse montante fosse reduzido para cinco mil milhões do BEI mais a reciclagem de uns quantos fundos que constituem uma espécie de parceria-publico-privada de boas intenções.

Outro compromisso assumido por Juncker no Parlamento que foi quebrado é o do “Regresso ao Método Comunitário” de decisão, que previa a consulta a todos os Estados-Membros das propostas da Comissão em vez da submissão ao interesse de apenas um deles. Ao deixar cair estes compromissos, Juncker submeteu-se à fobia de Angela Merkel e Wolfgang Schauble.

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Resultado não deve espantar ninguém

Alexandre Quintanilha, investigador e deputado independente eleito pelo PS

Não estou muito surpreendido com o resultado do referendo, pois todos sabemos que as relações entre pessoas são tanto mais estáveis quanto mais baseadas na confiança e não nos interesses. Nos últimos anos, o que a grande maioria dos europeus sentiu foi o aumento das disparidades sociais e económicas entre os mais ricos e os mais pobres. Com a agravante de não só serem sempre os mais frágeis a pagar pelos erros dos mais poderosos, mas também a serem forçados a fazer empréstimos com taxas de juro de tal modo elevadas, que as dívidas levarão anos a serem pagas, endividando ainda mais os europeus mais frágeis. Com uma crescente descredibilização da liderança europeia e crescente presença de movimentos nacionalistas, xenófobos e antieuropeístas, este resultado no Reino Unido não deve espantar ninguém. Os cidadãos do Reino Unido exprimiram o seu descontentamento com o "estado da Europa". Deve servir de aviso para que, como muitos acreditam, a Europa altere a sua estratégia actual e futura. A Europa deve trabalhar para aumentar a confiança e não continuar a ameaçar com mais sanções.

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"Brexit" apenas acentua desagregação já em curso

Manuel Magalhães e Silva, advogado

Alforria ou vacina? É o que se perceberá quando, dentro de dois anos, terminarem as negociações de saída do Reino Unido da União Europeia, previstas no art.º 50º do Tratado de Lisboa. Até lá, fica esta convicção de que a Europa como projeto de solidariedade, e sucedânea, na paz, dos Impérios Centrais caídos em 14-18, está em vias de desagregação, que não deixaria de prosseguir tivesse o remain ganho, mas que o brexit vem acentuar.

Na passada, tenderá a proguedir a dominação germânica, filha exatamente do mesmo clima e da mesma mundividência que levou ao brexit, esse “todos para um” que inquina a política externa e de defesa da UE, guetiza os refugiados, faz povos de primeira e de segunda e põe as economias periféricas ao serviço dos mais.

Quanto a nós, que haja espaço para restaurar a eficácia da Aliança multisecular e desse pergaminho saia direito de residência para os nossos emigrantes no Reino Unido e algum lenitivo para a modesta balança comercial. No mais, a Alemanha dirá como é. 

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“Brexit”: Significativo? Sim. Dramático? De modo algum

Mário Barbosa, director do instituto I3S do Porto

Como a carga de um navio que se move no convés em mar agitado, assim tem sido a posição da sociedade inglesa ao longo das últimas décadas em relação à União Europeia. Sempre balançando entre a saída e a integração, nunca o desequilíbrio tinha chegado ao ponto de se decidir pelo abandono. Significativo? Sim. Dramático? De modo algum. No tempo da senhora Thatcher, o isolamento da política inglesa face aos restantes países europeus não impediu o aprofundamento do processo de construção da Europa comunitária. Porém, há que tirar ilações desta decisão do povo britânico, assim como dos sinais dados pelos europeus do Sul que vêem na burocracia, na falta de solidariedade e no abandono da convergência europeia, sinais de que algo vai mal no navio. Se continuar mal amarrada, a carga continuará a balouçar, com ou sem referendos.

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Sonho europeu em risco de desintegração

Sara Falcão Casaca, professora do ISEG, Universidade de Lisboa, especialista em estudos de género

“O 'Brexit' iria fazer os direitos das mulheres andarem para trás décadas.” Esta frase, lida há dias e algures no espaço social media, fez-me muito sentido. O percurso do Reino Unido neste domínio foi particularmente influenciado pelo direito comunitário. E ainda havia tanto por consolidar e percorrer... Longe de ser única, esta é seguramente uma forte preocupação, principalmente porque é indissociável de uma inquietação maior e de fundo: o sonho (de Europa) que muitas e muitos de nós julgávamos ser inteiramente colectivo e mobilizador está em risco de desintegração. Não poderia (agora) ser mais evidente. É um resultado muito preocupante. Este é seguramente um dia triste e de muitas incertezas.

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"Brexit" está para a UE como iceberg esteve para o Titanic

Rogério Alves, antigo bastonário da Ordem dos Advogados

O “Brexit” estará para a União Europeia, como o Iceberg esteve para o Titanic. Pode dourar-se a pílula, como podem fazer-se juras de longevidade com os 27 que sobram. Eis o que manda o politicamente correto e aqui sem qualquer pincelada depreciativa. Mas a força das coisas será bem mais forte do que a força das intenções. A Europa abriu um rombo no casco da unidade. O desejo de união regrediu, atingido por um resultado brutal, que terá as suas sequelas e as suas réplicas numa dimensão, hoje por hoje, impossível de prever. Os fenómenos centrípetos irão acentuar-se, começando, amarga ironia, pela própria consistência do Reino Unido. Na Irlanda e na Escócia os primeiros sintomas não se fizeram esperar. A Europa está diferente. Está distante daquele caldo social, político e cultural do pós-guerra. Está seduzida pelo restauro da velha soberania e pela afirmação individualizada de cada Estado. Tudo porque está acossada por fenómenos novos, feitos de refugiados e mercados. E difícil “keep calm and carry on”.

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Aconteceu. E nós ficamos?

Gustavo Cardoso, professor catedrático do ISCTE-IUL e investigador do College d'Études Mondiales na FMSH

Quando o nosso aliado histórico vota sair da União Europeia, depois de nos ter recebido como novo membro nos idos anos oitenta, a pergunta faz todo o sentido. Os comentários portugueses nas redes sociais oscilam entre os votos de apoio aos amigos que votaram "ficar", mas que acordaram fora da União Europeia, aqueles, que reduzindo a dissonância cognitiva, dizem é melhor assim pois "eles nunca quiseram estar" e os que se perguntam "como é que puderam votar assim?".

Após os votos fica o rescaldo e o comentário. E a primeira análise é sempre sobre de quem é a culpa? Os comentadores nos canais de notícias nacionais e internacionais dizem que  a culpa foi de Cameron, que acreditou que ganharia um referendo. No entanto, quando se vota em democracia a "culpa" não é de quem lidera um processo, mas sim de quem vota.

Podemos, isso sim, discutir porque a maioria decidiu votar desta forma. As eleições e os referendos ganham-se quando o sentimento da maioria está alinhado com uma determinada proposta e não porque um dado líder, ou líderes, são convincentes o suficiente para guiar o voto num dado caminho.

A Grã-Bretanha decidiu iniciar o seu processo de saída da União Europeia, votando a saída, porque os últimos anos mostraram uma UE incapaz de criar confiança numa União de países iguais, insistindo numa união em que os mais fortes impõem a vontade sobre os mais fracos.

Em Portugal, decidimos fazer de conta que, durante 2011-2015, a Grécia (e o que lá se passava) não nos dizia respeito. Fizémo-lo por estratégia política deliberada do governo português, mas também porque é mais fácil imaginar que podemos escapar à sorte dos outros pois quando a atenção está focada nuns é mais fácil aos outros escaparem ao "castigo".

No entanto, na Grã-Bretanha a sorte da Grécia foi seguida com outros olhares pela maioria da população. O que se viu a partir da Grã-Bretanha é o que acontece a um país numa União monetária e política quando os mais poderosos decidem intervir num país soberano e retirar-lhe soberania de decisão.

Os acontecimentos na Grécia em 2014-2015 e, nomeadamente, as posições articuladas do Eurogrupo lideradas pela Alemanha (nas quais Portugal, por via da Ministra das Finanças Maria Luís Albuquerque, também participou), mostraram que uma União quando gerida sem bom senso político pode ser um mau lugar para se estar.

A má gestão política europeia da crise do Euro, a péssima gestão europeia da crise dos refugiados, a par, da evolução da guerra no médio oriente para o quotidiano europeu criaram o pior momento possível para se obter uma decisão de Bremain num referendo na Grã-Bretanha.

Foi o medo de ser alvo de bullying político nesta União, conjugado com uma desconfiança histórica face a certos países continentais e a percepção de que a identidade nacional não se pode diluir na globalização, nem nas uniões políticas, que deu a vitória ao Brexit.

E nós, Portugal, devemos sair também ou, por enquanto, continuar a estar?

A Fundação Bertelsman publicou esta semana o resultado de um estudo onde os maiores países europeus foram analisados quanto à sua vontade de permanência na União e o resultado mais importante foi que a permanência da França e da Itália na União apenas liderava, respectivamente, por dois e quatro pontos percentuais nesses países.

Como Portugal entrou na União por mérito próprio, mas também por conjugação política com a entrada simultânea da Espanha, é provável que os 74% de acordo com a permanência da Espanha na União Europeia, apurados pelo estudo da Bertelsman, também tenham eco similar em Portugal.

Assim, a resposta à pergunta feita no título deste artigo será, por enquanto, que é de ficarmos na União, esperarmos por ver se o Podemos ou o Partido Popular ganham as eleições em Espanha no próximo Domingo e, depois, não colocar a cabeça na areia e trabalhar para que a União mude, para que mais nenhum de nós saia e para que a Grã-Bretanha se junte à Noruega na parceria que esta tem com a União.

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