Juncker: "A Escócia ganhou o direito de ser ouvida"
Líder do Governo escocês diz que obteve uma "resposta compreensiva" em Bruxelas, mas também ouviu líderes europeus negarem qualquer hipótese de diálogo.
A primeira-ministra da Escócia, Nicola Sturgeon, esteve esta quarta-feira em Bruxelas, onde participou em vários encontros com alguns dos principais dirigentes europeus. A líder escocesa pretende recolher apoios para o objectivo a que se propôs logo no dia seguinte ao referendo sobre a saída do Reino Unido da União Europeia: manter a Escócia no bloco comunitário.
O presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, deu a Sturgeon uma inegável demonstração de apoio, horas antes do encontro bilateral que ambos tinham agendado. "A Escócia ganhou o direito a ser ouvida", disse Juncker, deixando a ressalva, contudo, de que a UE não pretende imiscuir-se nos processos internos do Reino Unido.
Esse direito ganho pela Escócia está relacionado com o apoio inequívoco que o eleitorado escocês deu ao projecto europeu. Cerca de 62% dos escoceses votaram a favor da manutenção do Reino Unido na UE no dia 23.
“A nossa primeira prioridade foi a de assegurar que existe uma consciencialização generalizada pela Europa acerca da escolha diferente da Escócia no referendo e da nossa aspiração de nos mantermos na UE”, disse Sturgeon perante o parlamento escocês, onde lhe foi conferido um mandato para negociar directamente com as instituições europeias.
Numa demonstração de que a tarefa da Escócia não será fácil, o primeiro-ministro espanhol, Mariano Rajoy, foi dos primeiros a afastar qualquer cenário de negociação entre Bruxelas e Edimburgo. "A Escócia não tem competência para negociar com a UE", disse Rajoy. O tema é encarada com extrema sensibilidade em Madrid, a braços com a pretensão independentista catalã. "Se o Reino Unido sai [da UE], a Escócia sai", concluiu o chefe de Governo espanhol, à saída da cimeira europeia.
O Presidente francês, François Hollande, também quis marcar as suas diferenças em relação às pretensões escocesas e lembrou que "as negociações serão conduzidas com o Reino Unido, não com uma parte do Reino Unido".
Sturgeon disse não ter ficado supreendida com estas declarações, sublinhando que o processo está numa fase prematura. Apesar da frieza de alguns responsáveis, Sturgeon disse ter obtido uma "resposta compreensiva" em Bruxelas e notou uma "vontade de ouvir".
"Brexit" frustrou escoceses
O argumento em Holyrood (sede do governo escocês) é o de que uma das principais razões para que a independência escocesa saísse derrotada das urnas no referendo de Setembro de 2014 foi o receio de grande parte do eleitorado de abandonar a UE em caso de secessão. Com a vitória do “Brexit”, diz o governo nacionalista, os escoceses sentem-se defraudados.
Mas a estratégia da primeira-ministra escocesa sofreu um ligeiro revés com a recusa do presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, em recebê-la. Segundo o seu gabinete, Tusk considera que o momento “não é apropriado” para reunir com Sturgeon. O diário britânico The Guardian cita um porta-voz da primeira-ministra que disse que Sturgeon não esperava reunir com Tusk num dia de cimeira europeia.
Esta manhã, a líder do Partido Nacional Escocês (SNP, na sigla inglesa) encontrou-se com o presidente do Parlamento Europeu, Martin Schulz, e reafirmou a sua intenção. “A Escócia está determinada a manter-se na UE”, disse aos jornalistas. Pela sua parte, Schulz apenas disse que “ouviu e aprendeu”. Sturgeon teve ainda encontros com líderes das várias bancadas parlamentares.
Na véspera, o discurso de um eurodeputado eleito pelo SNP foi aplaudido por grande parte do hemiciclo. Numa sessão marcada por uma azeda troca de palavras entre europeístas e eurocépticos, Alyn Smith fez uma defesa apaixonada do projecto europeu e pediu à Europa para apoiar a Escócia.
Para apoiar o Governo escocês, foi nomeada uma comissão de especialistas para aconselhar Edimburgo nas suas “relações com a UE”. Um dos membros deste grupo, o eurodeputado trabalhista David Martin, elogiou a visita de Nicola Sturgeon a Bruxelas.
“Penso que vir cedo a Bruxelas para testar as águas — ela não vai conseguir nenhuma decisão hoje — sobre onde estamos em termos da relação com a União Europeia e como poderemos avançar, é algo de muito positivo”, disse Martin à BBC.
Com a vitória do “Brexit”, voltou a pairar sobre o futuro da Escócia o espectro da independência. Sturgeon tem abordado o tema com cautela, dizendo apenas que a potencial saída do Reino Unido da UE veio mudar profundamente as circunstâncias em relação à consulta de 2014, tornando um novo referendo "altamente provável". As sondagens revelam um aumento do apoio à independência na sequência do referendo da semana passada, diz a Reuters.
A oposição vem do Partido Conservador que critica Sturgeon por relacionar o referendo sobre a saída do Reino Unido da UE a uma possível segunda consulta acerca da independência. “Não se suavizam as ondas de choque causadas por um referendo acendendo o rastilho de um outro”, afirmou a líder dos conservadores no Parlamento escocês, Ruth Davidson.
Na sessão na Câmara dos Comuns esta quarta-feira, o primeiro-ministro demissionário britânico, David Cameron, sublinhou que "manter o Reino Unido todo junto é de uma importância absoluta para o interesse nacional" do país.