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O gesto simbólico do Papa

Bastaram cinco horas na ilha de Lesbos para o Papa Francisco dizer ao que vinha. E não foram necessárias palavras duras ou grandes proclamações para que a sua mensagem chegasse às chancelarias mundiais e ao coração dos homens e mulheres onde ainda prevalece o sentimento de compaixão para com o seu semelhante. Pelo contrário, o Papa preferiu dar conforto, ouvir e chamar a atenção de quem tem poder de decisão para a situação de milhares de refugiados, cujas vidas continuam dramaticamente em suspenso. Perante isto, a prioridade é agir, dar resposta, encontrar soluções, em vez de se fechar os olhos à multiplicação de centros de detenção, nos quais se vão amontoando os refugiados vítimas da incapacidade das autoridades europeias de responderem à crise migratória em resultado dos conflitos na Síria, noutros países do Médio Oriente e Ásia. É à luz deste sentido de urgência que deve ser entendida a decisão de Francisco levar ontem consigo, para o Vaticano, 12 refugiados que estavam em Lesbos. Uma gota de água entre os cerca de três mil sírios, afegãos, iraquianos… esquecidos na pequena ilha grega, sem saberem como será o seu amanhã. “É preciso nunca esquecer que os imigrantes, antes de serem números são pessoas, rostos, nomes, histórias”, afirmou o Papa, numa das poucas frases que pode ser entendida como uma crítica a políticas cegas e de duvidosa legalidade, como o recente acordo selado entre a UE e a Turquia. Aliás, não terá sido por acaso que as três famílias sobre as quais o Vaticano assumiu agora responsabilidades chegaram às ilhas gregas depois da entrada em vigor do referido acordo (20 de Março), que lhes dificulta dramaticamente o acesso aos países europeus.

Há quase três anos o Papa fez uma visita-relâmpago a uma outra ilha que meio mundo subitamente descobriu por causa de uma tragédia: um naufrágio em que perderam a vida centenas de refugiados. Francisco foi, então, a Lampedusa chorar “os mortos esquecidos” e denunciar a “globalização da indiferença”. Palavras fortes que deve ter relembrado, agora, quando avistou esse “grande cemitério” onde padeceu “tanta gente que não chegou”. Foram mais de sete mil os que lá ficaram desde essa primeira visita, vítimas que são a expressão trágica da incompetência e da falta de solidariedade europeias. Talvez por isso, desta vez, Francisco tenha insistido tanto no cariz humanitário da sua visita. Longe da contaminação da má política.

 

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