Norma que suspende polícias pronunciados por crimes é inconstitucional

Decisão tomada com base na violação do princípio da presunção de inocência. Tribunal Constitucional diz que suspensão não pode ser automática: tem de ser antecedida de processo disciplinar .

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Esta decisão apenas abrange um caso específico e não pretende ter força geral e obrigatória. Pedro Cunha/Arquivo

O Tribunal Constitucional declarou inconstitucional a norma do Regulamento Disciplinar da PSP, em vigor há 26 anos, que suspende de funções e que retira um sexto do vencimento a polícias pronunciados por crimes com penas superiores a três anos.

Datado de 3 de Fevereiro deste ano, o acórdão do Tribunal Constitucional julgou "inconstitucional a norma do artigo 38.º, n.º1, do Regulamento Disciplinar da Polícia de Segurança Pública (...), por violação do princípio da presunção de inocência do arguido (...), conjugado com o princípio da proporcionalidade".

A decisão surge na sequência do recurso interposto pelo Ministério Público, que discordou do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, o qual, por acórdão proferido em Abril de 2015, já considerara que a regra violava estes princípios, e deu razão a um polícia que intentou uma acção de impugnação contra o acto do director nacional da PSP que, ao abrigo desta norma e com base num despacho de pronúncia contra o agente policial, "determinou a suspensão de funções até à decisão final absolutória ou até à decisão final condenatória". O arguido em causa está a ser julgado em Lisboa, num processo com mais 12 polícias da divisão de Cascais, 14 civis e uma empresa, pronunciados por segurança privada ilegal, tráfico de droga e de armas, extorsão, corrupção e coacção, entre outros crimes.

O advogado que avançou com a acção de impugnação destaca a importância desta decisão do Constitucional, que apenas abrange o caso concreto do seu cliente e não tem força geral e obrigatória."É inédita e consideramo-la muito importante porque, além do meu cliente, estão muitos outros polícias suspensos de funções por via desta norma, quando a mesma foi agora declarada inconstitucional", sublinha Hélder Cristóvão.

O n.º1 do artigo 38.º do Regulamento Disciplinar da PSP vigora desde 20 de Fevereiro de 1990, e refere que "o despacho de pronúncia ou equivalente com trânsito em julgado em processo penal por infracção a que corresponda pena de prisão superior a três anos determina a suspensão de funções e a perda de um sexto do vencimento base até à decisão final absolutória, ainda que não transitada em julgado, ou até à decisão final condenatória". Sempre que os polícias/arguidos requeiram a abertura de instrução e o Juiz de Instrução Criminal decida por um despacho de pronúncia e consequente julgamento, o tribunal informa a direcção nacional da PSP que automaticamente aplica o artigo 38.º, n.º1. Caso não haja abertura de instrução, após o Ministério Público deduzir acusação, o processo segue directamente para julgamento e esta norma não se aplica.

O Tribunal Constitucional reconhece que a suspensão automática de funções de agentes nesta situação pode ser encarada como uma medida cautelar destinada a preservar a integridade e o prestígio da função policial na sua relação com os cidadãos e com o público em geral. Contudo, os juízes frisam que há princípios que têm de ser respeitados. "A sujeição do arguido a uma medida, ainda que de natureza cautelar, que se baseie num juízo de probabilidade de futura condenação, viola o princípio da presunção de inocência que se encontra constitucionalmente garantido até à sentença definitiva, pois que é aplicada com o exclusivo fundamento numa presunção de culpabilidade", sustenta o acórdão, que teve como relator o juiz Carlos Fernandes Cadilha. 

O que não quer dizer que os agentes pronunciados continuem ao serviço: "O princípio da presunção da inocência do arguido não proíbe a antecipação de certas medidas cautelares e de investigação, e a suspensão provisória do exercício de funções". O que diz o Tribunal Constitucional é que antes de suspender um polícia a PSP tem de o ouvir sobre a questão e de lhe abrir um processo disciplinar. Com base nos mesmos factos pelos quais o agente responde em tribunal, poderá assim "instituir a medida cautelar de suspensão preventiva do arguido sempre que a sua manutenção em funções seja inconveniente para o serviço ou para o apuramento da verdade".

Tutela não pretende aplicar decisão a outros casos

Os sindicatos da PSP defendem que o MInistério da Administração Interna deve estender a decisão do Tribunal Constitucional a todos os polícias suspensos pela norma do regulamento disciplinar agora considerada inconstitucional. A Associação Sindical dos Profissionais da Polícia (ASPP-PSP), a Federação Nacional de Sindicatos de Polícia (FENPOL), o Sindicato Nacional dos Oficiais de Polícia e o Sindicato Unificado da Polícia (SUP) reiteram a necessidade de alterar e actualizar o "desatualizado" regulamento.

Apesar de a decisão dos juízes se aplicar apenas a um polícia arguido em concreto, Peixoto Rodrigues, do SUP, acredita que foi dado "um passo importante ou mesmo decisivo para que a sua aplicação com força obrigatória e geral seja uma realidade dentro em breve" e "centenas de polícias deixem de ser gravemente prejudicados". Nos últimos dois anos este sindicato diz ter acompanhado seis dezenas e meia de casos deste tipo.

Já o Ministério da Administração Interna e a direcção nacional da PSP preferem "não comentar decisões judiciais". E salientam que o tribunal "formulou um juízo de inconstitucionalidade relativo a um caso em concreto", acrescentando "não terem conhecimento formal" de que os juízes tenham emitido uma decisão de força obrigatória geral. "A PSP limita-se a analisar esta decisão casuisticamente e não tem conhecimento formal de que o tribunal tenha emitido uma decisão de força obrigatória geral, motivo pelo qual limitar-nos-emos a aplicar ao caso em apreço", esclarece a direcção nacional da PSP.

O presidente da ASPP-PSP espera que esta decisão acelere o processo de alteração ao regulamento disciplinar que está em análise no ministério, mas vai pedir à tutela que, entretanto, tome medidas. A FENPOL apela à direcção nacional da PSP para que levante imediatamente todas as suspensões fruto desta norma, "uma vez que se encontram nesta situação inúmeros profissionais".

O presidente do Sindicato Nacional dos Oficiais de Polícia espera que esta decisão do Constitucional acelere as mudanças já defendidas pelos sindicatos."Entendemos que deve servir como impulso decisivo para a alteração do regulamento disciplinar que se impõe, e que vem sendo adiada por motivos que não se compreendem. Do conhecimento que tenho, o processo está bloqueado no ministério há muito tempo", frisa Henrique Figueiredo.