Bruxelas diz que “permanecem grandes diferenças” nas negociações com o Governo
Comissão Europeia continua descontente com esforço orçamental previsto pelo Governo. Negociação deve durar até ao final da semana.
Faltam poucos dias para o Governo conseguir chegar a um acordo com Bruxelas que evite que a Comissão Europeia exija a Portugal a apresentação de uma versão revista dos planos orçamentais para este ano. As negociações prosseguem, mas a tarefa parece ser neste momento bastante complexa.
Publicamente, do lado português, tenta-se minimizar a dimensão das divergências, falando-se de um clima de serenidade no diálogo entre as partes. Mas, do lado de Bruxelas, não se esconde a existência de divergências importantes.
Annika Breidthardt, porta-voz para os Assuntos Económicos da Comissão Europeia, afirmou esta segunda-feira, citada pela Lusa, que “permanecem grandes diferenças” entre as partes. Ainda assim, a porta mantém-se aberta para um acordo. "“Estamos a trabalhar com o Governo português para aproximar as posições”, afirmou, afirmando que “está a ser trocada informação” e que “o processo prossegue”. Esta responsável revelou ainda que nos próximos dias a discussão será feita ao mais alto nível dentro da Comissão. “O colégio (da Comissão) vai discutir esta questão amanhã [terça-feira]", disse.
No centro da discussão entre o Governo e a Comissão Europeia está o conteúdo do esboço do Orçamento do Estado para 2016.
Em Bruxelas, a questão orçamental portuguesa está a ser fonte de preocupação e o problema é, não só de números mas também de confiança, em três vertentes, como explicou ao PÚBLICO fonte comunitária.
Desde logo quanto ao método de cálculo do défice estrutural. Segundo esta fonte, de acordo com o entendimento da Comissão Europeia, mexer em salários e pensões é sempre mexer com o défice estrutural, mesmo que as alterações durem apenas um ano, porque se vão repercutir no futuro. E a forma hábil com que o Governo PS tentou dar a volta ao assunto levou a Comissão Europeia a sentir-se enganada.
Do lado português existe a intenção de classificar a reversão das medidas de austeridade (por exemplo os salários da função pública e a sobretaxa) como medidas extraordinárias, o que as retiraria do cálculo do défice estrutural. Bruxelas quer continuar a incluir esses valores, o que faz com que a sua estimativa para o défice estrutural seja muito mais negativa do que a do Governo.
Neste momento, nas negociações, está a ser feita uma discussão medida a medida em relação à possibilidade de serem contabilizadas como extraordinárias. Para já, apenas há algumas abertura para a aceitação de medidas específicas, não todas as que o Executivo pretendia.
A segunda questão que Bruxelas tem em conta nesta negociação é o receio do contágio com Espanha, numa lógica em que poderia precipitar uma frente da Europa do Sul – Grécia, Portugal, Espanha e Itália – a pôr em causa as metas do défice e consequentemente o caminho para as atingir. Por isso, disciplinar Lisboa pode ser visto como necessário para mostrar que é preciso cumprir as metas e as políticas.
O terceiro ponto tem a ver com os receios comunitários em relação à fragilidade do sistema bancário português, que pode ser agravado caso o país veja descer ainda mais o seu rating e subir a taxa de juros. Aliás, a situação bancária é comparada, em Bruxelas, à italiana, que também preocupa a comissão. E agrava os receios com a Europa do Sul.
Perguntas e respostas: a discussão sobre o défice estrutural
Se a Comissão Europeia não ficar satisfeita com as explicações e eventuais revisões sugeridas pelo Governo, poderá concluir, num relatório a publicar até sexta-feira, que Portugal se encontra em “incumprimento sério” do Pacto de Estabilidade e Crescimento, o que significaria que o país teria de entregar no prazo de três semanas uma versão revista do esboço de OE para 2016.
No domingo, António Costa referiu-se às negociações com Bruxelas, garantindo, em declarações ao PÚBLICO, que “o diálogo técnico decorre sereno e positivo”, dizendo estar confiante que se chegue à próxima quinta-feira “com tudo resolvido com a Comissão Europeia” e garantindo que “os compromissos eleitorais e com os parceiros de acordo não estão em causa”.
Dificuldades também com a troika
Em simultâneo à discussão entre o Governo e a Comissão em torno da proposta orçamental para 2016, decorre também em Lisboa a missão da troika (que além da Comissão Europeia é constituída pelo BCE e pelo FMI) para a preparação do relatório da terceira avaliação pós-programa a Portugal.
Os técnicos das três instituições estão a avaliar as políticas que pretende seguir o Governo e a verificar as medidas que foram já implementadas. Prevê-se que a missão esteja concluída quarta-feira, com a publicação de comunicados por parte das instituições.
Também aqui, confirmou o PÚBLICO, as conversas entre as partes estão a esbarrar numa divergência muito substancial em relação ao que deve ser feito no país. Do lado da troika, os técnicos mostram muitas reservas em relação à reversão acelerada de medidas de austeridade impostas durante o programa, sem que o Governo apresente medidas substitutivas consideradas credíveis.
Para além disso, a três instituições são defensoras da concretização das denominadas reformas estruturais, que no entender da troika, passam por garantir uma maior flexibilidade no mercado de trabalho e no mercado de produtos, por forma a garantir uma redução de custos que torne a economia portuguesa mais competitiva face ao exterior.
As medidas entretanto implementadas e anunciadas pelo Governo, como o aumento do salário mínimo ou a recuperação dos salários da função pública, são vistas como indo no sentido contrário ao desejado.
Por isso, nesta fase, parece bastante provável que a avaliação que irá sair desta missão pós-programa da troika será globalmente bastante crítica em relação à estratégia económica e orçamental que está a ser seguida pelo Governo.