Pobres, mas honrados: Portugal, 1957, Grécia 2015
Sampaio da Nóvoa é, como todos sabem, um Transportador de Desassossegos. Mas não só. Aos fins-de-semana desempenha também o papel de Impermeabilizador de Inspirações. Às terças e quintas é ainda um Reciclador de Anseios, alternado, às segundas, quartas e sextas, com Repositor de Sonhos. É, muito legitimamente, um Colector de Multifacetas.
Já eu, mais limitado, orgulho-me de ser praticante de apenas uma actividade inútil merecedora de título pretensioso: sou um Compilador de Similitudes. Uma pessoa que identifica analogias entre duas ou mais situações, recolhe-as e cataloga-as, para posterior divulgação. É no desempenho dessa função que redijo a crónica de hoje. A similitude a que me dedico, lobriguei-a nos jornais, ao longo da semana, depois do referendo grego. Alguns exemplos:
Daniel Oliveira: “Os gregos escolheram o caminho mais difícil. Quem tratar isso com desprezo ou altivez nunca será capaz de compreender a importância que um povo pode dar à sua própria dignidade.”
Baptista Bastos: “A Grécia pode perder esta batalha desigual. A honra não a perderá.”
Manuel Alegre: “A Grécia já nos deu uma lição de dignidade.”
Eric Toussaint: “Dignidade do povo grego vale mais do que uma dívida ilegal.”
Sampaio da Nóvoa: “Não [da Grécia foi em nome] da dignidade e democracia.”
José Vítor Malheiros: “Os gregos deram a toda a Europa e a todo o mundo uma lição de coragem e de dignidade.”
Segundo os comentadores de esquerda, os gregos optaram pela dignidade. Segundo a realidade, optaram também pela bancarrota. Ou seja, os gregos são os novos “pobres, mas honrados”. Os gregos de 2015 são os portugueses de 1957. Isolados, contra tudo e contra todos, pobres, mas honrados.
A vertigem laudatória da honra passou da direita para a esquerda. O badalo da dignidade pendulou do fascismo para o socialismo. Esse movimento basculante é parte de outro, mais largo, que baptizei como Marialvização da Política. As características do marialva, antigamente tão caras à direita portuguesa, são agora louvadas à esquerda. A bravata, a jactância, a audácia, a fanfarronice são gabadas, não só nos gregos, mas também em José Sócrates. Não interessa se José Sócrates é inocente ou culpado, interessa é que é muito corajoso. Ninguém lhe mete medo. Enfrenta tudo de peito aberto. Mais do que um político, é um híbrido de forcado com apanhador de percebes.
Curiosamente, Sócrates tem muito em comum com os gregos. Ambos acham que o povo português lhes deve alguma coisa. Quer as acções de Sócrates, quer as acções dos gregos atrapalham a vida a António Costa. E, tal como os gregos, Sócrates também vive às custas de dinheiro que não é seu e há imensa gente que acha que isso é normal.