A Europa é cada vez mais um assunto de “política interna”
Se a vitória doméstica não for confirmada por um acordo em Bruxelas, Tsipras terá obtido no domingo uma vitória de Pirro.
Isto não inédito — basta pensar nos referendos franceses sobre Maastricht ou a Constituição europeia. Mas observamos agora um salto qualitativo e uma novidade: a Grécia passou a ocupar um lugar fulcral na luta política noutros países, já não é apenas uma crise, é também uma causa. Alexis Tsipras e o "não" são aplaudidos por opositores da "austeridade" e da Alemanha, por figuras de direita ou extrema-direita, do inglês Nigel Farage à francesa Marine Le Pen, mas sobretudo na área da esquerda radical.
O símbolo Grécia
O referendo grego teve uma cobertura mediática excepcional e uma repercussão política em quase toda a Europa, escrevia ontem Federico Fubini, editorialista do Corriere della Sera. "O drama da Grécia projectou-se sobre outros países com uma potência emocional sem precedentes, mas mais na Itália e em Espanha porque nestes países encontrou um apoio mais forte: o Movimento 5 Estrelas [de Beppe Grillo] e o Podemos [de Pablo Iglesias]."
Há outro aspecto: "Nestes dias, a capital grega tornou-se o destino de milhares de militantes e tifosi da política que acorreram a participar, a respirar o ar, a apoiar Tsipras. A peregrinação de Beppe Grillo [a Atenas] foi o caso mais estridente", prossegue Fubini. Atenas foi nestes dias uma nova Meca.
A vitória do "não" mobilizou os adversários do primeiro-ministro Matteo Renzi, a braços com a aprovação da reforma do Senado. Massimo d’Alema, antigo líder da esquerda italiana, aproveitou o referendo grego para atacar Berlim e, indirectamente, Renzi. Para este, o problema grego é "de política interna", escreve o La Repubblica. "A Internacional anti-euro que acorreu a Atenas para festejar Tsipras e a vitória do ‘não’ juntou os inimigos jurados do primeiro-ministro." E os que vêm do seu próprio partido, o Partido Democrático, são "uma ameaça muito mais concreta para Renzi".
Na Itália, a Europa tem sido um dos temas duros das últimas campanhas eleitorais. Crescem os índices de eurocepticismo, à esquerda e à direita, impulsionado pelo movimento de Beppe Grillo, e pela Liga Norte, de Matteo Salvini — que copiou a linha política de Marine Le Pen. Grillo quer agora “um referendo também para nós.” Salvini concorda.
Le Pen e Mélenchon
Também em França a Grécia se tornou num "assunto interno". A Frente Nacional recebeu triunfalmente a vitória do "não" como confirmação da sua política. Declarou o seu ideólogo Florian Philippot: "É o princípio do fim do euro." Marine Le Pen falou numa "rebelião contra os diktats europeus, que pretendem impor a moeda única a qualquer preço, através da austeridade mais desumana e contraprodutiva".
À esquerda, Jean-Luc Mélenchon, antigo candidato às presidenciais pela Frente de Esquerda, foi grandiloquente: "É uma nova página que vai começar na Europa. Os gregos resistiram, fizeram-lhe frente e agora podemos começar a discutir seriamente."
Se Mélenchon conta pouco, diferente é o estatuto de Marine, que pretende capitalizar o referendo grego. Reconhece as diferenças em relação ao esquerdismo de Tsipras mas resolve o problema colocando-o no "campo dos patriotas". Apelou a uma "dissolução concertada da moeda única, condição para o regresso ao crescimento".
Mas tem um problema que a obriga a ser prudente. A FN precisa da simpatia dos eleitores da UMP, de Sarkozy. Ora, 85 por cento deles são indefectíveis partidários do euro. Na própria FN, 37% dos simpatizantes querem ficar no euro. Marine é solidária com Tsipras mas não em tudo: a Grécia deve reembolsar as dívidas e pagar os 40 mil milhões que deve à França.
É inútil acrescentar que o "não" é usado contra Hollande. A direita exige que seja implacável com Tsipras. A esquerda do PS pede-lhe que mude de política e se demarque de Berlim.
O caso Podemos
Há dias, a revista Forbes titulou assim um artigo sobre a crise da zona euro: "O espanhol Podemos pode fazer com a Grécia pareça uma brincadeira de crianças." A argumentação é simples: num grande país do Mediterrâneo está a emergir uma ameaça maior de extrema-esquerda, que já domina Madrid e Barcelona. A Espanha é a quarta economia do euro e representa 13% do seu PIB.
À medida que as eleições se aproximam, Pablo Iglesias esforça-se por manter alguma ambiguidade. Já não anuncia, como fez depois do êxito nas eleições europeias de 2014, o começo da libertação dos povos do Sul da Europa do "jugo colonial alemão". Não quer perder votos. Defende a reestruturação da dívida e o incremento do investimento público, mas não entra em pormenores.
Na semana passada, fez uma subtil distanciação em relação a Tsipras proclamando que "a Espanha não é a Grécia". Com o sucesso do "não", mudou o seu perfil no Twitter, publicando uma foto em que está abraçado a Tsipras. Iglesias precisa de que Atenas obtenha um acordo honroso com a UE.
Anotou o politólogo José Ignacio Torreblanca: "O que Iglesias pensa é que o Podemos triunfará onde Tsipras está a fracassar ou, pelo contrário, a triunfar. Decida o leitor entre as duas opções, que eu confesso-me incapaz."
A prudência tem uma razão óbvia. A campanha de Rajoy e do Partido Popular radicalizou o seu discurso e aponta os perigos de uma vitória da esquerda radical: se querem ficar como a Grécia votem no Podemos.
Efeitos políticos?
Muitas eleições recentes têm sido decididas em torno do tema Europa, trate-se de países do Sul, onde há fortes movimentos anti-euro e anti-Merkel, trate-se de países do Norte onde o eurocepticismo encerra sentimentos anti-Sul. Na Grã-Bretanha, que não pertence ao euro, a questão do abandono da União Europeia passou a condensar, algo artificialmente, o combate político.
Que efeitos políticos internacionais terá a esmagadora vitória do “não”? Foi um inegável triunfo pessoal de Tsipras e do seu discurso nacionalista. A dimensão do resultado relegitima-o e torna-o politicamente mais forte. Mas não se pode prever até que ponto o “não” o tornará refém dos ultra-radicais do Syriza e da extrema-direita nacionalista.
O plebiscito foi uma vitória contra a "troika" mas serão os seus "credores", os 18 parceiros do Eurogrupo, a decidir do acordo. Estes estão perante um dilema. Querem evitar o colapso da Grécia, podem mudar as "terapias" ou reescalonar a dívida mas não as regras do euro.
O país está em falência e o dinheiro líquido é coisa rara. A Grécia depende mais do que nunca da ajuda dos parceiros europeus e para isso deverá fazer concessões. Mais uma vez estará em cima da mesa a eterna reforma do Estado.
Temos de esperar algumas semanas par avaliar os efeitos políticos do referendo. Se a vitória doméstica não for confirmada por um acordo em Bruxelas, Tsipras terá obtido no domingo uma vitória de Pirro.