Porque é que Stoltenberg foi à cimeira?
Depois da implosão da União Soviética, Moscovo foi sempre um parceiro instável – mas, ainda assim, um parceiro. Em 2010, numa cimeira da NATO em Lisboa, sem Vladimir Putin mas com Dmitri Medvedev, o fim da Guerra Fria foi solenemente declarado pelos aliados, que aprovaram uma série de medidas destinada a reforçar a confiança mútua. Tudo isto já faz parte de um passado longínquo. Como se viu, eram outras as intenções de Putin quando regressou ao Kremlin. No ano passado, aproveitando a segunda revolta pró-europeia dos ucranianos, anexou a Crimeia e pôs um pé na parte Oriental da Ucrânia. Ultrapassou os limites que permitiam aos europeus reduzir a sua política russa aos negócios. A mudança decisiva coube à chanceler alemã. Foi ela que liderou a resposta em estreita coordenação com os EUA. A Rússia passou a ser uma ameaça à segurança europeia. Ninguém duvida que, se há problema que tira o sono à chanceler, é este e não a Grécia, cujo desfecho ela ainda pode controlar.
Durante os dois dias da cimeira europeia, a Grécia e a imigração dominaram as atenções. Ironicamente, o presumível atentado terrorista em Lyon veio lembrar aos líderes europeus que enfrentam também um outro tipo de ameaça, mais difusa e imprevisível, levada a cabo pela nova estirpe de terrorismo que se autodesigna por Estado Islâmico. François Hollande teve de abandonar a cimeira.
2. Muita coisa já mudou, entretanto. A nova estratégia de Putin já obrigou a NATO a rever os seus dispositivos de defesa e trouxe de novo os Estados Unidos para a Europa. Durante anos, em Varsóvia ou em Riga, os novos países da União e da NATO não se cansaram de avisar os líderes da Europa Ocidental para os riscos que o Presidente Putin representava. Foram quase sempre mandados calar. Hoje, verifica-se que tinham razão. Os EUA já reforçaram a sua presença militar nalguns deles, não tanto pela ameaça russa, mas para tranquilizá-los. Triplicaram a Força de Reacção Rápida da NATO (de 13 mil para 40 mil homens). “Temos a obrigação de os defender, se forem atacados”, disse Stoltenberg. A NATO vai criar mais seis centros de comando nesses países. Os analistas militares dizem que não se trata de uma escalada militar: são reforços “mais simbólicos do que estratégicos”. Na sede da Aliança, os chefes da diplomacia estão, entretanto, a reavaliar a sua doutrina nuclear, o que foi reconhecido pelo próprio secretário-geral. Ninguém quer provocar a Rússia, muito menos os europeus, mas também não é possível ignorar a sua nova estratégia.
3. Como é que a Europa vai responder a esta mudança radical no ambiente de segurança que a rodeia? Subsistem os velhos problemas de capacidade militar e da falta de financiamento da defesa. Os aliados europeus nem sequer cumprem a meta dos 2% para os respectivos orçamentos de defesa, com a qual se comprometeram no quadro da Aliança. Dos grandes, só a França cumpre – o Reino Unido cortou o seu orçamento ao ponto de ficar ligeiramente abaixo dos 2%. A Polónia passou recentemente a cumprir. Às voltas com os défices e as dívidas, nem sequer querem ouvir falar no investimento na defesa. Ou então, como propõem Madrid e Lisboa, será preciso considerar a possibilidade de não incluir estes investimentos no cálculo do défice.
O resultado do Conselho Europeu não cria grandes expectativas. Em cima da mesa estava a necessidade de rever a Estratégia de Segurança Europeia adoptada em 2003. Basta a frase que abre o documento para perceber até que ponto está desactualizado: “A Europa nunca foi tão próspera, tão segura e tão livre”. O documento nunca serviu de grande coisa para o seu principal objectivo: ajudar a criar uma visão de segurança comum. A Alta representante Federica Mogherini quer lançar o mais depressa possível a sua revisão. O Conselho Europeu decidiu que ela apresentará um primeiro relatório… dentro de um ano. As crescentes divisões europeias em questões de interesse comum, como a vaga de imigrantes e refugiados que atravessam diariamente o Mediterrâneo, são um mau indício. Aliás, a única decisão que a Europa tomou até agora sobre este drama quotidiano, confundindo uma questão humanitária com um questão de segurança, foi criar uma força naval para combater os passadores, como se fossem eles os responsáveis pelas guerras que alimentam esta fuga desesperada.
4. A urgente cooperação em matéria de indústria de armamento também constava da agenda, suportada por um relatório muito crítico da Comissão. O objectivo é criar sinergias que tornem a indústria mais competitiva. O problema é que os grandes países, que são também grandes exportadores mundiais de armamento, querem manter os seus “campeões nacionais”, gerando um excesso de capacidade e de concorrência que não favorece ninguém. “A Europa não pode continuar a pagar o custo da duplicação e do excesso de capacidade que os nossos mercados fragmentados alimentam”. São fabricados na Europa três aviões de combate e 11 carros blindados diferentes. O A400 M, que deveria ser o avião de transporte militar da Europa, que depende totalmente dos Estados Unidos neste domínio, ainda não conseguiu descolar. As conclusões da cimeira apenas referem que os Estados-membros “devem alocar um nível suficiente de despesa para a defesa e fazer o uso mais efectivo dos seus recursos”. Não poderia haver nada de mais vago. Os Estados Unidos queixam-se do fardo da segurança europeia continuar a recair sobre eles. Stoltenberg explicou-lhes o que pode correr mal. O futuro da Europa não depende apenas da salvação do euro. Que, por sinal, ainda não é certa.