O duplo reajuste que cavou um fosso intransponível

O peso da academia na equipa principal do Benfica e a revisão salarial eram factores de divisão.

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Paulo Pimenta

O projecto delineado por Vieira quando tomou conta dos destinos do clube, em Novembro de 2003, era claro e dividia-se em três fases. A primeira dizia respeito ao saneamento financeiro de um clube em sérias dificuldades, que já tinha vendido património e que enfrentava grandes obstáculos para se financiar junto da banca. A segunda era vocacionada para as infra-estruturas, surgindo o novo Estádio da Luz, a academia do Seixal e o museu Cosme Damião como principais ex-libris. A terceira apontava para o reforço da equipa de futebol, com o intuito de a aproximar do patamar competitivo do FC Porto e de voltar aos títulos com regularidade.

Uma atrás da outra, as etapas foram sendo cumpridas. E o projecto para o futebol ganhou uma dimensão extra a partir de 2008 com a contratação de jogadores com o peso de Pablo Aimar, Javier Saviola, Ramires, Di María – e mais tarde Salvio, Witsel, Matic, Garay, Markovic, entre outros. Jorge Jesus espremeu o talento de um plantel muito capaz e devolveu o Benfica aos títulos, mas o presidente dos “encarnados” nunca escondeu que este esforço de investimento era transitório.

Quando questionado, no final de 2014, sobre o rumo a trilhar pelo futebol profissional e sobre a necessidade de o treinador apostar nos produtos da formação foi taxativo: “Não vai ter outra alternativa. Não vai haver espaço para outras contratações. Houve espaço até crescerem os outros jogadores do Benfica. Agora, começando eles a crescer, não haverá espaço para isso”.

Durante muito tempo, Jesus socorreu-se circunstancialmente do talento de André Gomes e da polivalência de André Almeida (Ivan Cavaleiro e Nelson Oliveira só episodicamente surgiram na equipa principal), mas defendeu-se sempre argumentando que apostava nos jovens, sim, mas sem olhar a nacionalidades. Os exemplos são muitos, de Di María a Rodrigo, de Oblak a Markovic, até Talisca, mais recentemente. Mas esta não era a visão de Vieira, que nunca escondeu a vontade de construir uma equipa que servisse de base à selecção nacional. Jesus gostava de comprar jóias que pudesse polir, mas, ainda assim, jóias que pesavam na contabilidade do Benfica.

E se a este reajuste, com mais ou menos vontade e dificuldade, o técnico estaria disposto a ir cedendo, à revisão em baixa do salário de quatro milhões de euros (brutos) por ano terá reagido de forma irredutível. Acabado de se sagrar bicampeão, naquele que foi o 10.º troféu alcançado na Luz, Jesus terá considerado que o seu mérito profissional deveria ser recompensado de outra forma. E encontrou, do outro lado da segunda circular, quem estivesse disposto a ir ao encontro das suas pretensões.  

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