Taxa de mortes nas cadeias portuguesas é o dobro da média europeia
A taxa média de mortes nas prisões dos 47 países do Conselho da Europa foi de 26,3 por 10 mil reclusos, de acordo com os dados mais recentes. Em Portugal, foi de 50. Doença e suicídio são as causas. O novo ano começou com um homicídio.
Este quadro surge pelo menos desde 1997 nas Estatísticas Penais Anuais do Conselho da Europa, que comparam a situação prisional nos 47 países-membros e podem ser consultadas em relatórios anuais (designados por SPACE I e SPACE II) e relativos à situação dois anos antes. O relatório publicado em 2014 analisa os dados de cada país relativos a 2012, mas também a 2011. Neste ano, a taxa de mortes era de 50,5 por 10 mil reclusos em Portugal – praticamente o dobro da taxa média europeia de 26,3.
Enquanto Itália, França e Espanha têm taxas a rondar a média ou abaixo dela, Portugal aproxima-se de países do Leste Europeu, abaixo da Ucrânia (com uma taxa de 63,6) ou da Arménia (70) mas acima Bulgária (com 46,7) e muito acima de países como a Roménia (29,5) ou a Hungria (22,4).
A presença de um guarda poderia não fazer a diferença ou evitar a morte do preso do Linhó, nesse domingo, dia 4. Seja como for, à hora do recreio, quando se juntam dezenas de reclusos, não estava nenhum elemento de vigilância no pátio desta prisão do concelho de Sintra. O guarda destacado para o pátio foi chamado a reforçar a presença de vigilância nos parlatórios, numa hora de visitas com mais movimento do que o esperado. Questionada, a Direcção-Geral da Reinserção e dos Serviços Prisionais (DGRSP) não comenta.
O recluso fazia parte do grupo cristão da cadeia e estava preso desde 2011 quando foi condenado a uma pena de oito anos por crimes de burla, falsificação de documentos, furto e roubo. Como ele, que tinha 27 anos, a maioria dos presos do Linhó tem menos de 30 anos. De acordo com o comunicado da DGRSP, no dia em que morreu, o jovem foi atingido por “um objecto perfurante de fabrico artesanal” quando "um grupo reduzido de reclusos" se envolveu numa “súbita troca de agressões”.
Não terá sido a primeira vez que este preso se envolveu em lutas na prisão – algumas a propósito da posse de telemóveis, um dos negócios que proliferam nas cadeias. O jovem morto é descrito como problemático, quadro potenciado pelo meio onde muitos jovens transportam as rivalidades de gangues dos bairros onde vivem para dentro da prisão do Linhó, também referida (por quem aí faz trabalho de voluntariado) como uma cadeia “com um défice de guardas” e “técnicos com muitos reclusos a seu cargo”.
Em respostas enviadas ao PÚBLICO, sobre a situação nas 49 prisões do país, a DGRSP diz que “o provimento dos serviços com elementos de vigilância tem sido uma preocupação” e que um concurso foi aberto para recrutar mais 400 novos guardas.
Falta de guardas e sobrelotação
Um levantamento feito em 2014 terá apontado a necessidade de aumentar o número de guardas para 4913 e de inscrever esse aumento no Orçamento do Estado. O número de guardas prisionais era de 4170 no fim de 2014, depois de baixar em 2013 e também em 2012, ano em que havia 4414 guardas. Inversamente, o número de reclusos aumentou desde 2008 e até 2013, mantendo uma pressão também identificada nos relatórios do Conselho da Europa como de sobrelotação.
A sobrelotação existe quando em 100 lugares estão mais de 100 reclusos. De acordo com números de 2012, a média europeia era de 97,8 (reclusos por 100 lugares) e Portugal estava entre os dez países com uma maior taxa: 112,7 por 100 lugares – abaixo de França (117) ou da Roménia (118,9) mas acima de países como Montenegro (111,7) Arménia (107,3) ou Geórgia (101,4).
O número de reclusos do Linhó (567) está abaixo da capacidade (584), aponta a DGRSP, não havendo sobrelotação. Mas nesta como noutras prisões, diz Mateus Dias, presidente da Associação Sindical do Corpo da Guarda Prisional, é comum faltarem guardas nos postos. Isso cria um vazio depois ocupado pelos reclusos e dominado pelos seus conflitos. “O que se passa no Linhó é uma enorme falta de efectivos”, reforça Mateus Dias.
Da mesma forma, o sindicalista Jorge Alves, presidente do Sindicato Nacional do Corpo da Guarda Prisional, aponta situações em que “um guarda permanece toda a noite sozinho numa ala com 300 reclusos”. Um exemplo: Custóias onde em 2010 terão ocorrido 12 dos 18 suicídios desde ano, diz Jorge Alves.
Doença e suicídios
As doenças são a principal causa de morte nas prisões, seguidas dos suicídios. E as taxas de mortes afastam Portugal de países como Espanha, França ou Itália, realça António Dores, professor auxiliar do Departamento de Sociologia, investigador do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (CIES/ISCTE-IUL) e autor de vários livros sobre o sistema prisional português. “Portugal tem a característica de ser um país onde morre muita gente na cadeia”, salienta o académico, também director da secção portuguesa do Observatório Europeu das Prisões.
António Dores não identifica causas seguras por não existir um estudo rigoroso sobre o tema. Mas diz: "Nenhuma explicação pode deixar de considerar as hesitações no processo de substituição do sistema de saúde sob a tutela prisional e o sistema nacional de saúde."
Em 2013, os números absolutos registaram a morte de 62 reclusos nas 49 prisões portuguesas (49 por doença, 13 por suicídio). Em 2012, tinham sido 66 (50 por doença, os restantes por suicídio). Será preciso recuar a 2011, quando estão contabilizadas 64 mortes, para ter nas estatísticas um homicídio, como o que aconteceu no primeiro domingo de Janeiro na prisão do Linhó. O presumível agressor foi transferido nesse dia para a cadeia de alta segurança de Monsanto. A DGRSP também informa que “o processo de averiguações interno” aberto no seguimento do crime está a decorrer “sendo prematuro avançar com qualquer conclusão”.