Portugal tem um novo sinal de trânsito: “Atenção, linces”
Para reduzir o risco de atropelamentos, a libertação dos linces em Mértola está a ser rodeada de cuidados adicionais.
“A nossa principal preocupação de facto é a questão dos atropelamentos, que é a principal causa de mortalidade em Espanha”, afirma o secretário de Estado do Ordenamento do Território e Conservação da Natureza, Miguel de Castro Neto.
Outrora abundante, a espécie Lynx pardinus tinha quase desaparecido da Península Ibérica – o único lugar onde existe – ao longo do século XX, até se transformar no felino mais ameaçado de extinção em todo o mundo. Nos últimos dez anos, a sua população voltou a crescer em Espanha, através de um plano de reintrodução conjunto com Portugal.
Mas os animais regressaram a um território modificado, com mais estradas e maior circulação de automóveis. Em Espanha, o número de linces atropelados subiu de nove em 2012 para 14 em 2013, e este ano a conta já vai em 20. O último caso foi o de Ketamina, uma fêmea nascida em Portugal, no Centro Nacional de Reprodução do Lince Ibérico, em Silves, e libertada em Julho passado na Extremadura espanhola. Teve apenas três meses de vida selvagem. Em Outubro, morreu sob as rodas de um automóvel, perto de Badajoz.
Para reduzir o risco de atropelamentos, a libertação dos linces em Mértola está a ser rodeada de cuidados adicionais. Um deles é a instalação de placas específicas de sinalização nas estradas da região. Na verdade, trata-se de um novo sinal de trânsito, para alertar para a presença de animais. Ao invés de um gamo ou de uma vaca, como os que figuram nos sinais já existentes, neste caso o contorno é o da face de um lince ibérico. O novo sinal, segundo o Ministério do Ambiente, já foi homologado, embora a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária tenha informado o PÚBLICO de que o processo de autorização não está ainda completamente concluído.
Os sinais foram instalados nos pontos considerados de maior perigo, identificados a partir de registos de atropelamentos de outros animais. A preparação também inclui a limpeza das bermas, para melhorar a visibilidade dos condutores e afastar os animais da estrada.
Só dentro de algumas semanas é que os linces Katmandu e Jacarandá de facto correrão riscos. Serão soltos primeiro numa área cercada com dois hectares, onde permanecerão em adaptação até serem finalmente libertados na natureza, possivelmente dentro de um mês.
Jacarandá, a fêmea, nasceu em 2012 no centro de reprodução de Silves, uma de três crias do casal Flora e Foco. Já Katmandu, o macho, nasceu em 2013 em Zarza de Granadilla, onde fica um dos quatro centros espanhóis de reprodução de lince ibérico. Os nomes dados aos animais no programa luso-espanhol seguem uma ordem alfabética regular, com a mesma inicial para todas as crias nascidas num mesmo ano.
Por pouco os dois linces não ficam em Portugal. Há uma programação para a libertação das crias dos cinco centros de reprodução. Em Silves, já nasceram 58 e outros 28 por lá passaram, provenientes de Espanha. De todos estes, 38 foram libertados do outro lado da fronteira e 22 morreram. “Este ano havia um conjunto de animais reservado para serem soltos em Portugal. Se não fossem reintroduzidos cá, seriam em Espanha”, afirma o secretário de Estado da Conservação da Natureza. “Vínhamos há meses a acompanhar a situação no terreno para ver se isto seria possível ou não”, completa.
Linces no zoo
A ideia inicial era realizar a operação no princípio do Verão. Mas as populações de coelho bravo, o principal alimento do lince, não tinham recuperado da razia que a doença hemorrágica viral lhes causara no ano passado.
Em Mértola, o secretário de Estado assegura que a situação agora é favorável. “Em Agosto/Setembro, dados no terreno indicavam que na zona onde vamos reintroduzir o lince tínhamos valores superiores a 3,5 coelhos por hectare, sendo que o mínimo que está definido para podermos pensar na reintrodução são dois coelhos por hectare”, explica. A temporada de caça pode ter reduzido a concentração de coelhos, mas apenas ligeiramente, segundo Miguel de Castro Neto.
Depois de Katmandu e Jacarandá, quatro outros casais serão libertados no vale do Guadiana, um a cada dois meses. Numa segunda fase, está prevista a libertação de mais linces na região de Moura-Barrancos. Só numa terceira fase, se as condições forem favoráveis, é que a mesma operação será realizada na serra da Malcata, região a que ficou associado o lince na cultura popular, devido a uma campanha pioneira pela sua preservação há quase 40 anos.
“Este é um primeiro momento. Vai ser necessário durante vários anos reintroduzir linces até que consigamos ter uma população estável. O processo não termina aqui”, refere Miguel de Castro Neto.
Quando estiverem a viver efectivamente livres, ninguém sabe o que os linces farão. Podem permanecer na zona, partir para outra ou até atravessar a fronteira. “Os linces fugirem para Espanha não me incomoda. Se estiverem vivos, podem ir para onde quiserem”, diz o secretário de Estado. “Mas também não há problema nenhum. Um dos objectivos do projecto do lince ibérico é recuperar os habitats históricos e garantir a continuidade destes habitats”, completa.
Os linces estarão equipados com coleiras de telemetria, financiadas pela Fundação PT, para que os seus movimentos sejam acompanhados à distância.
Será uma semana de grande protagonismo para o carismático felino em Portugal. Nesta mesma terça-feira, vai ser inaugurada uma exposição em Silves e uma torre de observação dos linces no centro de reprodução naquele concelho, já que não é possível ao público em geral chegar perto dos animais, para não comprometer a sua preparação para a vida selvagem.
E na quinta-feira, dia 18, o Jardim Zoológico de Lisboa passará a ter em exibição, pela primeira vez, um casal de linces. São animais que também vêm do centro de Silves, mas que já não estão aptos para a libertação na natureza.
Observá-los no seu habitat selvagem é virtualmente impossível. O lince é um animal discreto, que se mantém escondido de dia e só sai praticamente à noite, para caçar. Além disso, anda normalmente só e cada indivíduo mantém o domínio territorial sobre uma extensa área – ou seja, para ver linces, esqueçam Mértola e o melhor mesmo será o zoo.