Reintrodução do lince em Portugal pode começar depois do Verão
Governo, caçadores, agricultores, ambientalistas e cientistas assinam pacto pela conservação do felino mais ameaçado do mundo.
A libertação marcará o início da reintrodução dos linces em Portugal, de onde praticamente desapareceram ao longo do século XX. Serão oito animais, nascidos na rede de centros de reprodução em cativeiro de Espanha e Portugal e que irão experimentar a vida selvagem na zona de Mértola.
O lince ibérico (Lynx pardinus) só existe na Península Ibérica e está "criticamente ameaçado" de extinção, segundo a União Internacional para a Conservação da Natureza. Há quatro centros de reprodução em Espanha e um em Portugal – em Silves, inaugurado em 2009, como medida de compensação da construção de uma barragem, a de Odelouca. Entre 2005 e 2013, nasceram 236 linces. Este ano, foram mais 36. Dos que sobreviveram, vários já foram libertados na natureza, todos em Espanha. Alguns, inadaptados para a vida selvagem, foram para zoológicos.
Em Portugal, a reintrodução estava dependente de condições ideais do habitat, sobretudo no que toca à alimentação. E neste domínio, os coelhos bravos pregaram uma partida aos planos do Governo de celebrar a primeira libertação no primeiro semestre deste ano.
Uma avassaladora mortalidade afectou os coelhos, vítimas de uma variante da doença hemorrágica viral – que afecta ciclicamente aqueles animais. A libertação dos linces, que esteve marcada para Junho, teve de ser adiada.
A situação dos coelhos nas áreas escolhidas para a reintrodução dos linces – Mértola e também a região de Moura-Barrancos – tem sido monitorizada quinzenalmente. As populações mostram sinais de recuperação, mas nos próximos meses será feito um censo mais alargado aos coelhos. “Precisamos de ter a certeza de que existem no terreno”, afirma Miguel de Castro Neto, apontando para depois do Verão a possível libertação.
Tudo dependerá do que ocorrer nos próximos meses. Se os coelhos não resistirem a um novo surto da hemorrágica viral, dificilmente haverá condições para a reintrodução.
“A situação ainda está longe da ideal”, afirma António Paula Soares, presidente da Associação Nacional de Proprietários Rurais, Gestão Cinegética e Biodiversidade, que representa os donos de zonas de caça. Para os caçadores, é importante que haja coelhos suficientes tanto para os linces como para a actividade cinegética. “O que está em causa não é a libertação dos linces, é quando”, diz Soares.
Os caçadores e gestores da caça estão entre um conjunto de agentes que subscreveram, esta terça-feira, o pacto para a preservação do lince. Investigadores, organizações não-governamentais, representantes do sector agrícola e instituições oficiais também juntaram-se ao pacto. O documento fixa um quadro de referência para que todos caminhem no mesmo sentido. “Era importante haver esta formalização da confiança”, afirma o secretário de Estado.
A actividade cinegética tem um relevo especial. O pacto contém um contrato-tipo de colaboração entre zonas de caça e o Instituto da Conservação da Natureza e Florestas (ICNF), que prevê medidas concretas para a conservação do lince nas áreas cinegéticas. O ICNF acena com um apoio às zonas de caça nas áreas onde sejam libertados linces, com um mínimo de 50% das taxas anuais cobradas às concessões – que são de 0,75 euros por hectare nas zonas de caça associativa e 1,71 euros por hectare nas zonas de caça turísticas.
Um ponto importante do pacto é o que diz que “a presença do lince ibérico não implicará a criação de limitações ou proibições” nos sectores cinegético, agrícola e florestal. “Fica escrito que o lince não vai causar restrições ao modo como fazemos a gestão da caça”, afirma António Paula Soares.
O pacto para o lince ibérico está disponível no sítio do ICNF na Internet e pode ser subscrito online por qualquer pessoa ou entidade.