Quase 30% das vendas do Grupo Lena vêm do contrato apadrinhado por Sócrates na Venezuela
O negócio estava parado há dois anos e valia 988 milhões de dólares. Sócrates desbloqueou-o em Caracas e o Grupo Lena, GL, encontrou uma bóia de salvação. Carlos Santos Silva entrara no grupo três anos antes.
Carlos Santos Silva é desde Fevereiro de 2007 administrador de uma consultora, a XMI Management & Investments SA, cujos restantes administradores são os principais accionistas e o presidente da comissão executiva daquele grupo. A casa de um deles, António Barroca Rodrigues, actual presidente do conselho de administração do grupo, foi também alvo de buscas na passada quinta-feira, segundo o jornal online Observador. A XMI foi criada com o nome Lena Management & Investments SA e foi detida directamente pelo Grupo Lena, com uma participação de 60%, até 2010.
Nesse ano, o universo Lena, composto por mais de 150 empresas com 3100 trabalhadores, foi objecto de uma profunda reestruração, devido à crise, no âmbito da qual os 60% que o grupo detinha na Lena Management & Investments SA passaram para as mãos de duas novas sociedades anónimas: a Gesparsoci e a Lunindic. A primeira tem então António Barroca Rodrigues como administrador único, e a segunda é gerida por Joaquim Barroca Vieira Rodrigues, vice-presidente do GL.
Com essa alteração da estrutura societária, a empresa mudou o nome para XMI Management & Investments SA. Carlos Santos Silva, António Barroca e Joaquim Barroca mantiveram-se como administradores, juntando-se-lhes Joaquim Paulo Conceição, o actual presidente executivo do GL. Os quatro empresários ainda hoje são os responsáveis pela sociedade, desconhecendo-se a quem pertencem 40% do capital.
Em 2013, a XMI, que tem cinco empregados, facturou cerca de 2,8 milhões de euros, parte dos quais provenientes de serviços prestado ao Grupo Lena.
Apesar destes factos, a administração do GL reafirmou esta terça-feira, em resposta a perguntas do PÚBLICO, que não foi detido qualquer “responsável ou colaborador” do grupo, salientando que a XMI “não pertence ao Grupo Lena, não havendo qualquer relação jurídica entre as duas empresas”. A XMI, acrescenta o grupo, “é uma empresa que presta serviços ao Grupo Lena, na área de procurement, essencialmente internacional, que tem accionistas comuns ao Grupo Lena, mas que, reitera-se, não pertence ao grupo, não tendo este qualquer participação no capital". Por este motivo, afirma, “o eng. Carlos Santos Silva não é responsável ou colaborador do Grupo Lena”.
A resposta diz ainda que “a relação do GL com a XMI, e designadamente o facto de alguns dos accionistas do grupo serem accionistas dessa empresa, tem a ver com estratégias de abordagem de mercados externos e nada mais”. O GL adianta que é “o primeiro interessado em esclarecer toda a situação de modo a sair rapidamente do olho do furacão de uma situação com a qual nada tem a ver”. E conclui: “Carlos Santos Silva é detentor, desde a altura em que foi administrador de uma empresa do grupo, de uma pequena participação numa empresa de comunicação do grupo, na qual nunca teve qualquer função de gestão ou relação laboral.”
Além da Lena Management & Investments, da qual se tornou administrador em Fevereiro de 2007, Carlos Santos Silva foi administrador, em 2009, pelo menos de uma outra empresa do GL, a Lena Comunicação SGPS. Esta empresa controlava 13 sociedades detentoras de jornais e rádios regionais e também do diário i. O agravamento da situação financeira do grupo levou, logo em 2010, à progressiva alienação de parte destas e de muitas outras empresas.
A viagem a Caracas
Em Outubro desse ano, José Sócrates deslocou-se a Caracas em visita oficial, acompanhado de numerosos empresários e jornalistas, tendo o PÚBLICO e outros jornais noticiado que os principais resultados da visita se traduziram no “desbloquemento” de dois negócios que se encontravam num impasse. Um deles era o fornecimento de 520 mil computadores Magalhães ao Estado venezuelano. O outro era um acordo de princípio celebrado havia dois anos entre o Governo de Hugo Chávez e o Grupo Lena, mas que até então não tinha tido qualquer concretização.
Neste caso, a viagem do ex-primeiro ministro permitiu que o contrato fosse finalmente assinado, entregando ao GL a construção de 12.512 casas e duas fábricas de lajes de betão. O contrato, que ascende a 988 milhões de euros e deveria terminar em 2014, teve um arranque difícil, mas, no relatório e contas de 2011, o GL já o considera o seu “maior desafio de sempre”, apesar de não estar ainda em execução.
Em 2012 foram concluídas e inauguradas as duas fábricas e terminadas as primeiras 60 casas, contribuindo esta operação com 25% do total do volume de negócios do GL (495 milhões). O relatório desse ano indica que os resultados consolidados do grupo atingiram 11,3 milhões de euros, contra os 23 milhões negativos de 2011, e foram “os melhores de sempre”.
No ano passado, o relatório diz que a Grand Misión Vivienda Venezuela é “o maior projecto de sempre de um grupo empresarial português no exterior” e que, nesse ano, foram entregues “os primeiros 840 apartamentos ao Estado venezuelano”. A facturação assim obtida correspondeu a 29% do total do grupo, contra os 34% conseguidos no mercado nacional, tendo os resultados consolidados subido para 17,6 milhões de euros.
“O sector da construção, principalmente nos mercados de Angola (26%) e Venezuela (29%), foi o que mais contribuiu para os resultados alcançados”, lê-se no relatório.