A pequena agricultura está a sair do armário

A My Farm e o clube agrícola A Minha Quinta querem fazer negócio com o cultivo de legumes e frutas em pequena escala.

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A Minha Quinta nasceu por iniciativa de seis primos que se juntaram para recuperar a casa e a herdade da família Miguel Manso
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Sílvia Ercoli e Paula Bravo cuidaM da sua pequena parcela de terra Miguel Manso
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Em pouco mais de um mês, o clube tem 12 clientes que pagam uma mensalidade de 50 euros por 30 metros quadrados Miguel Manso

Cerca de 70% dos alimentos no mundo são produzidos por agricultores familiares e 40% das famílias dependem desta actividade para viver. Na Europa, os agricultores familiares exploram 68% da superfície agrícola utilizada, sensivelmente o mesmo que em Portugal, de acordo com uma análise do Parlamento Europeu publicada em 2014, proclamado pela Assembleia Geral das Nações Unidas como o Ano Internacional da Agricultura Familiar. João Dinis, dirigente da Confederação Nacional da Agricultura, diz que em todo o país há cerca de 800 mil pessoas nesta situação. “São 300 mil famílias que gerem e trabalham na sua própria produção”, explica.

Foi a pensar nos pequenos produtores que cultivam para consumir e vender nos mercados locais que Luís Luz criou a My Farm. Professor no Instituto Politécnico de Beja, queria estimular nos alunos a vontade de criarem o seu próprio negócio e numa sessão de “brainstorming” nasceu a ideia: criar uma quinta virtual onde os clientes pudessem “comandar” à distância a sua própria horta. No terreno, estaria um agricultor.

O conceito evoluiu. Aliás, está em testes desde o ano da criação oficial e tem sido distinguido com prémios de inovação, como a mais recente menção honrosa que recebeu nos Food and Nutrition Awards. “Baseia-se no conceito de empresa social de Muhammad Yunus [Nobel da Paz em 2006]. O objectivo não é a maximização do lucro, é o apoio social ao pequeno agricultor e ao escoamento dos seus produtos. Todos os lucros serão utilizados para investimento”, diz Luís Luz.

A My Farm foi testando projectos nos últimos três anos. Tinha câmaras a filmar as hortas para que os “clientes” pudessem assistir ao crescimento dos legumes, mas a ideia acabou por cair por terra. “Chegámos à conclusão de que não compensava. O agricultor precisa de fazer rotação de terras e tínhamos de estar a mudar as câmaras de sítio. Ao mesmo tempo, as pessoas viam as filmagens durante as primeiras semanas e depois deixavam de se interessar”, recorda.

A My Farm teve 19 clientes que pagavam por cada acção do agricultor. Por exemplo, semear um metro quadrado de alfaces custava um euro, valor que abrangia não só os custos de produção, como a mão-de-obra. “Concluímos que quem ficava em casa não criava ligação com a horta real e o agricultor. Mas quem se deslocava à horta criava um compromisso com o produtor. Foi nessa altura que percebemos que não vendíamos legumes. Vendíamos o cheiro do campo, a ligação à terra e ao agricultor, que é fundamental”, conta Luís Luz.

Hoje a empresa, que tem em Luís o sócio maioritário, emprega três trabalhadores e transformou-se numa plataforma de contacto entre o agricultor e o consumidor. O cliente paga ao produtor uma mensalidade acordada entre ambos (e tendo em conta a dimensão da horta) para que este produza os legumes e frutas que mais prefere, de acordo com a época do ano. Os preços variam muito mas podem rondar os 79 euros mensais para uma horta com 49 metros quadrados, cuja produção é suficiente para abastecer duas famílias. Este preço não inclui os gastos de entrega.

A tarefa da My Farm é ajudar o pequeno agricultor a rentabilizar o terreno que já tem disponível e garantir-lhe outro meio de escoamento da produção. A maioria vende nos mercados locais, já que não tem dimensão para conseguir entrar nas grandes cadeias de distribuição. “Têm quase sempre excedentes e só conseguem vender na praça. Ao receberam uma valor fixo mensal garantem um rendimento seguro”, argumenta Alice Teixeira, coordenadora da My Farm. Por isso, a tarefa da empresa de Beja é encontrar consumidores, que podem ser desde particulares a empresas, restaurantes ou instituições de solidariedade social. Por cada metro quadrado de horta cultivada, a My Farm cobra 40 cêntimos ao agricultor.

Quando o cliente participa na colheita pode ter descontos na mensalidade e, enquanto a horta não dá frutos, o produtor pode dar ao seu consumidor um cabaz de cortesia. A My Farm também está a evoluir para uma loja online onde será possível comprar legumes e fruta. Agora, o lema é “Adopte um Agricultor”, para reforçar a ligação directa entre os dois mundos. Além disso, a intenção é tornar a plataforma mais útil a quem produz e permitir o acesso dos agricultores aos seus dados de produtividade e custos, ajudando à tomada de decisões. “Será também uma ferramenta de gestão, para apoiar a pequena agricultura”, descreve Alice Teixeira.

Na Cercibeja há várias hortas ao serviço da My Farm. Luís Vieira e Manuel dos Santos são os responsáveis pela produção e encorajam os seus cinco clientes a visitar e participar no cultivo, assegurado pelos utentes da instituição. Além das alfaces, há rúcula, acelgas, batata-doce e morangos, que já chegaram a casa de consumidores que, todos os meses, garantem a sua horta. A pouca distância da Cercibeja, está o terreno de João Sardinha, militar na reserva que quer escoar a produção. Já vende para o mercado local, mas espera conseguir clientes directos com a ajuda da My Farm.“A ideia é boa. Vamos ver se funciona. O que se estraga agora na horta dá para alimentar quatro famílias. O problema é conseguir vender tudo”, desabafa.

Um clube agrícola na cidade
Em Rio de Mouro, A Minha Quinta-Clube Agrícola nasceu por iniciativa de seis primos que se juntaram para recuperar a casa e a herdade da família. Com muito terreno disponível e necessidade de obter outras fontes de financiamento, a solução foi abrir o espaço a quem sempre sonhou ter a sua própria horta, às portas da cidade. Em pouco mais de um mês, o clube tem 12 clientes que pagam uma mensalidade de 50 euros para terem direito a 30 metros quadrados de terreno onde podem produzir o que quiserem, desde que seja biológico.

Já se vêem alfaces ou ervas aromáticas e, pouco antes da hora de almoço, Sílvia Ercoli e Paula Bravo estão a cuidar da sua pequena parcela. “Já andava à procura de uma horta. Eu vivo ‘bio’ há muitos anos, vi o site, percebi que era um projecto novo e cá estou”, conta Sílvia, vestida com jardineiras de ganga e botas de borracha. Juntamente com Paula, plantou couves, brócolos, cebolas ou morangos. É a primeira vez que as duas amigas mexem na terra e vêem crescer a sua própria comida. “Eu gosto de terra, apesar de ser muito urbana. Vivo em Lisboa, tenho muitas plantas, mas um vaso não é a mesma coisa. Gosto mesmo de agricultura”, diz Sílvia, que tem vindo a tirar formação teórica. Paula garante que a experiência vale a pena. É divertido, melhor que ir ao ginásio, “super relaxante” e faz bem à amizade. “É o cuidar da terra que é bonito. E encontramo-nos aqui, isso é amizade. Também é cuidar da vida”, acrescenta Sílvia.

Pedro Pereira, advogado e um dos mentores do projecto, espera alargar o número de sócios, complementar o apoio técnico que já é dado aos clientes com cursos e apostar na divulgação do clube. Há espaço suficiente para, pelo menos, mais 40 ou 50 hortas, o número necessário para a empresa atingir o break even (equilíbrio entre receitas e gastos). “Uma hora por semana é suficiente para cuidar da horta. E aquela ideia de que é preciso trabalhar muito não é real. Quando está calor, convém regar com mais frequência, mas nesses casos nós regamos”, conta.

Nenhum dos hortelãos tem experiência em agricultura, mas a piada também é essa. Pedro Pereira sublinha: esta é uma horta de lazer. “Os clientes são todos licenciados, a maioria são mulheres e consumidores de produtos biológicos”, descreve. Há engenheiros como Carlos Silva que traz a família ao fim de semana e já tem planos para construir uma pequena estufa. “Vai ser bom poder comer as minhas próprias alfaces”, diz.

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