As maravilhas, o carteiro de Konchalovsky, o menino das mamãs, o corpo de Depardieu e a cabeça de Dafoe

Alguns dos títulos que farão a nossa temporada são exibidos em antestreia no festival. Ficam aqui algumas propostas, para quem não quiser esperar - e para depois repetir.

Foto
The Postman's White Nights, de Andrei Konchalovsky DR

The Postman's White Nights, de Andrei Konchalovsky

No final do concurso da 71ª edição de Veneza, em Setembro, chegou um filme: The Postman’s White Nights. Um filme depois do fim da URSS, depois do fim do “socialismo romântico”, um filme orgulhoso, aristocrático, feito com o que restou das epopeias - como Siberiade (1979), do próprio Konchalovsky - e que se ergue dessas cinzas com um lirismo e um sorriso triste arrebatadores. Evoca Boris Barnet ou Aleksandr Medvedkin.

Um filme "depois do fim" da carreira de Konchalovsky, que há muito parecia ter-se perdido entre a Rússia e os EUA, apesar de Os Amantes de Maria, em 1984, ou de Comboio em Fuga, em 1985? As histórias de uma aldeia numa região remota da Rússia, aldeia de gente sem representação oficial (diz o realizador que o “camponês” já não existe para o estado russo). São os cães, os gatos, o álcool, as mulheres sozinhas que se masturbam. A História tornou-os irrelevantes, mas a História ali parece irrelevante - há um foguetão lançado em fundo, ninguém repara. Um carteiro faz a ligação deste mundo ao resto do mundo, mas por pouco tempo. A Internet já chegou aos lagos.
Sábado, 15, Monumental, 21h30

Mamã, de Xavier Dolan

Foi decisivo para a afirmação pública da maturidade do cineasta Xavier Dolan um filme como Tom à la ferme (2013), pela forma como, ao suspender a aceleração folclórica que parecia imparável e em rota para o desastre, o cinema do realizador do Quebeque deixava os espectadores, tal como as personagens, pendurados no fio do desejo. Isso permitiu que Dolan regressasse com Mommy a um motivo autobiográfico, a relação com a mãe, que estava na origem da primeira longa, J’ai tué ma mère (2009), e o refundasse gloriosamente.

Encontrando um centro de gravidade para o histrionismo do seu cinema e para a voracidade pagã do vernáculo quebequense junto de actrizes habituais, como Anne Dorval (a mãe) ou Suzanne Clément (a amiga) – o filho, Antoine Olivier Pilon, é uma versão graúda, imprevisível, grotesca e comovente do Macaulay Culkin de Home Alone, ou seja, é tocado espiritualmente pelo Alex/Malcolm McDowell de Laranja Mecânica.

É uma efémera história de folie à trois, contra tudo e todos.
Domingo, 16, Monumental, 19h


As Maravilhas, de Alice Rohrwacher

Muitos perguntaram no último Festival de Cannes porque é que Le Meraviglie, de Alice Rohrwacher, não explicava as coisas. Essa é uma das maravilhas de Le Meraviglie: dizer sem explicar, dizer por exemplo que a família do filme tem certamente um passado, que não interessa qual é ou qual foi, mas de que se quis afastar, fugir, para criar à margem o espírito da sua colmeia - de que é zelador o pai, personagem que exerce a sua tirania com amor.

Não é um filme (só) sobre o "coming of age", tambem não é só um filme sobre um mundo fechado que é tocado e alterado pela contacto com exterior, e que assim se dissolve. Não, Rohrwacher não decide nada para a “sua” família: devolve-a ao seu tempo e ao seu sono. E assim de Será que vai Nevar no Natal, de Sandrine Veysset (1996) dissolve-se no Satyricon, de Fellini (1969)
2ª, 10, Centro Congressos do Estoril, 21h30


Welcome to New York e Pasolini, de Abel Ferrara

No Festival de Cannes, em Maio, quando apresentou Welcome in New York, sobre Dominique Strauss-Kahn, Abel Ferrara aproximara, em conversa com o PÚBLICO, a figura de DSK de Pier Paolo Pasolini, personagem do filme que apresentaria meses depois no Festival de Veneza em Setembro: pela coragem da solidão, dizia ele, porque em ambos a solidão seria uma afirmação herética. Possibilidade, então, de confrontar um corpo uivante com um thinking head?

Em Welcome in New York Ferrara teve à disposição o corpo de Gérard Depardieu, que em si mesmo é uma afirmação escandalosa, e com esse escândalo a personagem de D.S.K. aparecia como figura do universo do cineasta, como se a ele pertencesse antes do mais (como o Harvey Keitel de Polícia sem Lei, por exemplo). Já em Pasolini Willem Dafoe é um impressionante duplo do cineasta desaparecido, é verdade, é a sua imagem; mas é, antes de mais, uma figura sem corpo, um invólucro para um pensamento - perante o qual Ferrara aparece dócil, reverente, dir-se-ia mesmo paralisado.

Welcome to New York, Sábado, 8, Centro de Congressos do Estoril, 17h30; 2ª, 10, Monumental, 14h30
Pasolini, Domingo 9, Centro Centro de Congressos do Estoril, 21h30 ; 2ª 10, Monumental, 21h30

Sugerir correcção
Ler 2 comentários