A terceira Intifada já está aí?

Tentativa de assassínio de activista israelita que defende que judeus possam rezar no Pátio das Mesquitas em Jerusalém é seguida de motins e medidas excepcionais num dos lugares mais sagrados para muçulmanos e judeus.

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Os motins têm-se sucedido em Jerusalém AhmadGharabli/AFP
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Uma palestiniana protesta com um polícia israelista Menahem Kahana/AFP
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Autoridades israelitas vedaram acesso ao Monte do Templo a todos, algo que não acontecia há 14 anos Menahem Kahana/AFP

“As centelhas que incendiam grandes acontecimentos são difíceis de reconhecer, mas os disparos contra o rabino Yehuda Glick, em Jerusalém, podem bem ser uma delas”, comentou no Twitter o correspondente da Reuters em Jerusalém, Luke Barker.

Glick foi atacado na quarta-feira à noite quando saía de uma conferência acerca do tema sobre o qual se dedica a fazer campanha: “o regresso do povo judaico ao Monte do Templo”, nome que os judeus dão ao Pátio das Mesquitas, a que os muçulmanos chamam Nobre Santuário.

O atacante disparou à queima-roupa e fugiu de mota. Na quinta-feira, forças israelitas localizaram um suspeito, cercaram a sua casa num bairro de Jerusalém Oriental. Seguiu-se uma troca de tiros e o suspeito foi morto. Fontes palestinianas dizem que se trata de um antigo detido numa prisão israelita, libertado em 2012 após 13 anos de prisão.

Não demorou até haver um motim e as autoridades israelitas anunciaram a rara medida de encerrar o Monte do Templo a todos, excepto para responsáveis da autoridade muçulmana encarregada do local (mas segundo os palestinianos, o muezzin, que chama para as orações, não pôde entrar).

Esta medida não tinha sido tomada nos últimos 14 anos. A última vez foi precisamente quando Ariel Sharon (então líder da oposição) visitou o local, no que foi considerado um dos factores determinantes para a segunda Intifada (revolta). Um porta-voz do líder da Autoridade Palestiniana, Mahmoud Abbas, não hesitou em usar as palavras mais duras: “Isto equivale a uma declaração de guerra”. Ao final do dia, Israel anunciou que a medida seria parcialmente revertida.

Não é descabido que se multipliquem as referências a uma terceira Intifada com mais veemência, embora não seja raro que após um incidente (as mortes da flotilha turca ao lago de Gaza, a morte do adolescente que terá sido queimado vivo pelos extremistas israelitas, a guerra na Faixa de Gaza e a morte de tantas crianças) a possibilidade seja evocada, embora após dias de um pico de violência, a tensão baixe.

O que há de diferente agora? Apesar se não ser de nível suficiente para fazer títulos nos jornais, a violência em Jerusalém não tem parado. As detenções mostram isto mesmo: desde Julho, foram detidos 900 habitantes de Jerusalém Oriental.

E a campanha para mudanças no delicado equilíbrio em vigor no centro da vida religiosa, tanto muçulmana (a Mesquita de Al-Aqsa é o terceiro local sagrado do islão, a seguir a Meca e a Medina) como judaica (o Monte do Templo é o local mais sagrado do judaísmo), junta uma perigosa fagulha a uma situação já em lenta mas constante ebulição.



Israel impede frequentemente a entrada de muçulmanos no local por razões de segurança – muçulmanos com menos de 35 anos, agora com menos de 40, invocando o potencial de confrontos. Quanto aos não muçulmanos, o acesso é feito por uma porta especial e estes não podem exibir símbolos religiosos ou rezar. Glick, que como guia turístico visitava frequentemente o Pátio das Mesquitas, foi várias vezes impedido de entrar por ter rezado em ocasiões anteriores. Os judeus rezam no Muro Ocidental, também conhecido como Muro das Lamentações, que inclui a única parte que resta do segundo templo, uma fracção de muro.

Segundo o New York Times, que cita dados da polícia israelita, as visitas de judeus ao Monte do Templo estão a aumentar: de 6000 em 2010 para 8500 no ano passado. Este ano voltou a haver um aumento de 20%, indicava pelo seu lado a organização de esquerda Ir Amin. Esta organização conta ainda que o ministro do Interior ordenou restrições à entrada de muçulmanos em 40 ocasiões este ano – em 2013 tinham sido apenas oito. Tudo isto tem aumentado a desconfiança dos palestinianos de que algo pode mudar.

Cenário explosivo
Jerusalém é um ponto de tensão especial para além da Cidade Velha. Os residentes são especiais: não são iguais aos árabes israelitas que, como os palestinianos que habitam nas outras partes de Israel, podem votar (os residentes árabes de Jerusalém só podem votar nas eleições locais) e também não são palestinianos – têm o contacto com a Cisjordânia cortado por um muro e as estradas segmentadas por check points.

Queixam-se de subinvestimento e até o metro de superfície foi causa de especial rancor – a linha afinal serve sobretudo para ligar Jerusalém Ocidental aos colonatos judaicos próximos. Um habitante dizia ao site Electronic Intifada que nas estações de Jerusalém Oriental não é possível comprar bilhetes. Assim, quase não há árabes no metro de superfície.

Vários analistas apontam para este cenário explosivo, agravado pela falta de negociações entre israelitas e palestinianos ou de qualquer expectativa de virem a existir, pelo exacerbar da tensão entre Israel e o seu aliado americano (a discussão sobre que fonte norte-americana tinha considerado o primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, “caca de galinha”, está para durar), pela continuação da presença judaica em bairros de Jerusalém Oriental e construção de novas habitações nos colonatos e ainda pela falta de perspectivas de sucesso de iniciativas unilaterais palestinianas.

Outros argumentam que esta é a terceira intifada – motins diários, acções esporádicas de indivíduos que decidem lançar-se contra o metro ou disparar contra um activista judeu.

Finalmente, há quem defenda que os palestinianos ainda estão a recuperar do que perderam em estagnação económica e violência da segunda intifada, e que, por isso, a não ser que haja algo de excepcional, os dias de motins mais fortes serão seguidos por um período de calma.
 

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