Suécia fura consenso na União Europeia e reconhece Palestina independente
Israel repudia decisão e chama o seu embaixador em Estocolmo. Impasse no processo de paz dá argumentos a quem diz não ser possível esperar mais tempo para reconhecer direitos dos palestinianos.
Israel reagiu com a fúria esperada. “O Governo sueco deveria compreender que as relações no Médio Oriente são mais complicadas do que a montagem dos móveis Ikea”, afirmou o ministro dos Negócios Estrangeiros israelita, Avigdor Lieberman, denunciando uma “decisão miserável” que irá dar força “às exigências irrealistas dos palestinianos”. Horas mais tarde, o Governo israelita chamou por tempo indeterminado o seu embaixador em Estocolmo, gesto que assinala o agravamento da crise diplomática.
Quando, no início do mês, o novo primeiro-ministro sueco, Stefan Lofven, anunciou que iria reconhecer a Palestina, Washington, aliado incondicional mas cada vez mais relutante de Israel, criticou a decisão “prematura” da Suécia, insistindo que a independência palestiniana deve ser o culminar do processo de paz.
Mas nesta quinta-feira a ministra dos Negócios Estrangeiros, Margot Wallström, disse temer que a decisão da Suécia “seja mais tardia do que prematura”. Num artigo para o jornal Dagens Nyheter, a antiga comissária europeia reconhece que a Palestina não tem fronteiras definidas, mas cumpre o essencial “dos critérios de direito internacional para um reconhecimento”: um território, uma população, e um governo.
Wallström sublinhou que a iniciativa não significa que Estocolmo esteja a escolher um lado do conflito. “Estamos a colocar-nos do lado da paz”, disse a ministra, explicando que o objectivo é apoiar os palestinianos moderados, como o presidente Mahmoud Abbas, e reforçar o seu estatuto nas negociações de paz.
Mas não escondeu que o passo dado pela Suécia – o 135.º país a reconhecer uma Palestina independente – nasce também da frustração com que o mundo olha para os acontecimentos na região. “Ao longo do último ano vimos como as negociações de paz se afundaram num impasse, como as decisões sobre a construção de novos colonatos nos territórios ocupados da Palestina complicaram a solução de dois Estados e como a violência regressou a Gaza”, afirmou.
Abbas agradeceu a decisão “corajosa e histórica” e exortou outros países a responderem à campanha que, em 2011, o levou ao pedir ao Conselho de Segurança o reconhecimento da Palestina como um membro de pleno direito da ONU. A iniciativa foi bloqueada, mas abriu o caminho para que, no ano seguinte, a Assembleia Geral lhe atribuísse o estatuto de Estado observador – numa votação em que Portugal foi o primeiro país da União Europeia a anunciar o seu apoio e um dos 14 que votou a favor.
Depois disso, os EUA tentaram relançar as negociações, mas a realidade voltou a sobrepor-se: em Janeiro, Israel anunciou novos planos para a construção de colonatos, três meses depois a Fatah de Abbas acordou com o rival Hamas, maioritário em gaza, um governo de unidade nacional e o diálogo foi suspenso. Em Julho, após uma escalada que começou com o assassínio de três adolescentes israelitas na Cisjordânia, Israel lançou nova ofensiva contra Gaza que fez mais de dois mil mortos.
A violência, escreveu o Guardian, voltou a chamar a atenção do mundo para um conflito sem solução militar e, apesar de as culpas serem partilhadas, é Israel quem mais tem perdido na frente diplomática. “De cada vez que há um acontecimento grande como este, o apoio a Israel diminui um pouco mais”, disse um responsável europeu ao jornal britânico, explicando que uma fatia crescente da opinião pública do continente “não acredita que Israel esteja a trabalhar genuinamente para alcançar a paz”.
A União Europeia (UE) diz estar disponível para reconhecer a Palestina “no momento apropriado”, mas insiste que a prioridade deve ser colocada nas negociações de paz. Vários países, adiantou a Reuters, ficaram, por isso, irritados com o passo unilateral de Estocolmo – sete países da UE (Chipre, Bulgária, Hungria, Malta, Polónia, República Checa e Roménia) tinham reconhecido a Palestina, mas fizeram-no antes da adesão à UE. No entanto, nos corredores são cada vez mais os diplomatas europeus que, a cada anúncio de expansão dos colonatos, avisam Israel para o risco de isolamento internacional.
E em muitos países aumentam as vozes dos que dizem não ser possível esperar pelo sucesso das negociações para reconhecer o direito dos palestinianos a um Estado. O Parlamento britânico aprovou neste mês por esmagadora maioria uma moção pedindo ao Governo que reconheça a Palestina e votos semelhantes estão na calha em outros países, casos da Irlanda e da França, adiantou a Reuters.
Os Governos da Noruega, Finlândia e Dinamarca disseram não ter planos para seguir o exemplo de Estocolmo, mas a reputação internacional da Suécia – com um historial de defensora dos direitos humanos e de mediadora de conflitos – “pode eventualmente gerar uma bola de neve”, disse à AFP Ove Bring, professor de Direito Internacional sueco. Foi isso que aconteceu na América Latina, depois de, em 2010, o então presidente brasileiro Lula da Silva ter dado o seu apoio à causa de Abbas. Escudados na posição da maior economia da região, mais de uma dúzia de países seguiram o passo de Brasília.