Onde está o biombo entre o Governo e o BES?
Sem separação clara de interesses, nunca saberemos as razões verdadeiras das decisões políticas.
Foi nessa altura que vendeu, por cerca de 70 mil euros, as 80.433 acções que tinha no BES. Quis assim garantir que, ao agir como ministro, não seria apanhado a pensar para com os seus botões algo do tipo: “Se decidir A, perco dinheiro; se decidir B, não perco...”
Foi um gesto de transparência. Desligou-se da banca portuguesa e criou o que no mundo dos negócios se chama chinese walls, um biombo entre a sua acção como ministro e os seus investimentos pessoais. Isso fez com que, um ano depois, quando mergulhou na crise que fez implodir o BES, Pires de Lima fosse um político mais livre e independente do que teria sido se o seu dinheiro estivesse em jogo.
O mesmo não é verdade em relação a outros ministros. Ao todo, 16 membros do Governo de Passos Coelho assistiram com particular atenção ao desmoronar do império Espírito Santo. Alguns têm contas acima de 100 mil euros no BES. Juntos, têm um milhão de euros em aplicações, fundos, carteiras, banca-seguros e títulos.
Um exemplo da importância dos biombos é a decisão tomada em Conselho de Ministros em plena crise do BES: até onde se deveria proteger quem tinha poupanças no BES? Todos os depositantes ou só os que tinham menos de 100 mil euros, como estipula o novíssimo regulamento europeu? O Governo decidiu que tanto os pequenos como os grandes depositantes deveriam ficar a salvo.
Na prática, só não foram protegidos os accionistas com pelo menos 2% do banco, valores muitíssimo mais elevados. Neste debate, ouvimos sempre falar da importância de garantir a confiança no mercado. Ou seja, de não serem tomadas decisões que levem as pessoas a guardar as suas poupanças debaixo do colchão. Mas com esta ausência de separação de interesses nunca saberemos a razão real das decisões políticas.