Obama aposta numa “aliança de conveniência”
A viragem é a extensão dos ataques à Síria, onde o EI concentra o essencial das suas forças e logística. Depois de atacar o EI no Iraque, os americanos não podiam ignorar o teatro sírio e tolerar a manutenção de um “santuário”. O sucesso está na participação de cinco “aliados árabes”, o que permite a Obama proclamar que “a América não está a combater sozinha”. É a prova de fogo para a coligação contra o EI que Washington montou e em que a presença de Estados sunitas era uma condição sine qua non. É uma “coligação de conveniência”. O significado político é muito mais importante do que a dimensão militar.
Entre os “aliados”, há uma ausência de peso, a Turquia, que faz parte da NATO e, embora hostil ao EI, mantém uma postura de ambiguidade táctica. O Egipto “apoia a coligação”, mas não participa nela, preferindo “combater a sua própria batalha contra o inimigo comum” — preocupa-o mais o contágio do EI na Líbia e no Sudão. A colaboração do Irão, para quem o EI é uma ameaça pesada, é imprescindível mas não pode ser formalizada. Washington tem de gerir o apoio dos dois grandes rivais da região, sauditas e iranianos — aqueles ajudaram o início da rebelião jihadista contra Assad; os segundos são o principal aliado de Damasco.
Washington fez uma opção pragmática. Se Teerão aposta na sobrevivência de Assad, os americanos querem uma “transição”, ou seja, o fim do regime. Vão treinar e armar uma das forças da oposição “moderada”, mas com o objectivo imediato de combater o EI — se e quando tiver capacidade. Obama optou por se centrar no “diabo principal”. A extensão do teatro de operações à Síria não é contra Assad, que aliás foi informado do início dos ataques. Mas não haverá colaboração. Há uma tragédia pelo meio.
Não é a Síria, é o Iraque
Mais do que uma ameaça directa aos Estados Unidos, o EI põe em perigo o futuro do Iraque e de toda a região. Assumindo-se como “entidade estatal” e não como um movimento, começou a eliminar fronteiras, proclamou um “califado” totalitário e exibe uma mórbida “estética do horror”. A excessiva rapidez com que se expandiu pode ser a sua primeira vulnerabilidade.
Os americanos foram trazidos de volta ao Médio Oriente por serem a única potência capaz, não de aniquilar o EI, mas de organizar uma coligação para o combater e, sobretudo, para travar o alastramento da nova vaga jihadista, que se alimenta do confronto entre sunitas e xiitas e é fomentada pelas disputas da hegemonia regional.
O sucesso ou fracasso da estratégia americana joga-se no Iraque. O teste está na problemática recomposição do país. O EI não será aniquilado por bombardeamentos. De resto, esta não é uma simples luta contra o EI, frisa o analista americano Anthony Cordesman. “Não pode haver nenhuma vitória militar significativa no Iraque sem estabilidade política iraquiana e sem mudanças na qualidade e na equidade da governação.”
A intervenção americana coincidiu com a mudança do Governo iraquiano e o afastamento do xiita Nouri al-Maliki, cuja política de exclusão de sunitas e curdos abriu uma guerra civil e criou um vazio que o EI soube ocupar. O sucesso parece remoto, mas Obama não tinha grandes escolhas. Aposta na cooperação iraniana para acelerar a mudança da política xiita de Bagdad e na colaboração dos sauditas para agirem como mediadores junto das tribos rebeldes sunitas.
A estratégia de Obama consiste em reconstruir o exército — para isso estarão lá mil conselheiros — e combinar a luta no terreno por militares iraquianos (e peshmerga curdos) com as operações aéreas americanas.
Ao contrário, na Síria nada se prevê de bom e por muito tempo. A guerra civil prosseguirá e é possível que Assad reforce a sua posição se o EI for seriamente enfraquecido.
A lógica de Obama é forçar as potências regionais a resolverem elas mesmas o problema que criaram e que agora se volta contra elas. Avisa que a guerra contra o EI durará anos. Jura que não voltará a haver “boots on the ground”. Sabe que a América já não controla a desordem do mundo. E que também não pode voltar-lhe as costas.