Fibrilhação auricular é responsável por 35% das mortes pelo AVC mais comum em Portugal

Estudo identificou o número de mortes directas que se podem atribuir a esta arritmia e tentou perceber quantos acidentes vasculares cerebrais causados por "entupimento" tiveram origem na fibrilhação auricular.

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A doença afecta sobretudo homens acima dos 50 anos, ainda que atinja mais os idosos Fernando Veludo/Nfactos

Os dados inéditos fazem parte do estudo O Custo e a Carga da Fibrilhação Auricular em Portugal, divulgado nesta quarta-feira e desenvolvido pelo Centro de Estudos Aplicados da Católica Lisbon School of Business and Economics e pelo Centro de Estudos de Medicina Baseada na Evidência da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, com o apoio da Bristol-Myers Squibb e da Pfizer. Segundo explica ao PÚBLICO o economista Miguel Gouveia, da Católica Lisbon, o objectivo do trabalho foi perceber o impacto da fibrilhação auricular em si mesma, mas também como causa do AVC. “A fibrilhação não é só uma doença em si mesma, mas é simultaneamente um factor de risco para outra doença que é mais conhecida e grave, que é o AVC”, resume o investigador.

Miguel Gouveia diz que identificaram quantas pessoas morreram directamente em Portugal por fibrilhação auricular. Mas também procuraram “dados menos óbvios, como quantas pessoas morrem por AVC atribuíveis à fibrilhação”. O trabalho, que analisou dados de 2010, permitiu perceber que nesse ano morreram em Portugal 813 pessoas com a causa da morte directamente atribuída à fibrilhação auricular. Foram também identificados 9316 mortos por AVC isquémico, o mais comum, e que ocorre por falta de fluxo sanguíneo cerebral, em geral devido a um coágulo.

“Destes mais de 9000 mortos percebemos que 3260 se ficaram a dever à fibrilhação auricular, o que faz com que a doença tenha levado à morte de 4070 pessoas em Portugal em 2010, o que é um número muito grande, sobretudo se tivermos em conta que só menos de um quinto das mortes correspondem à fibrilhação auricular no sentido estrito”, explica o economista especialista em saúde. “Em princípio, se o sistema de saúde fosse bastante eficaz a lidar com estes casos esperaríamos que o número de mortes pudesse ser bastante reduzido”, acrescenta Miguel Gouveia, em referência ao facto de muitas pessoas não estarem medicadas com fármacos que contrariem o espessamento do sangue (os anticoagulantes orais).

Além de olhar para a mortalidade, o estudo de Miguel Gouveia foi mais longe e procurou quantificar outros efeitos. “Quando pensamos na carga de uma doença, no impacto que ela tem na população, além das mortes temos também que ter em conta a incapacidade. Há pessoas que não morrem mas têm uma qualidade de vida reduzida”, sublinha Miguel Gouveia. Para isso, a equipa utilizou uma metodologia da Organização Mundial de Saúde (OMS) para perceber os anos de vida que se perdem com as mortes prematuras, mas também com as sequelas deixadas em quem sobrevive, os chamados anos de vida perdidos ajustados pela incapacidade (DALY).

Ao todo, foram contabilizados 23.084 anos de vida perdidos, o que dá uma média de mais de 63 anos por dia. Os anos perdidos atribuídos às vítimas mortais foram 10.521, sendo os restantes 12.563 por incapacidade. “Esta é uma doença que mata mas, extraordinariamente, o principal impacto na saúde da população nem sequer é a morte, é a redução da qualidade de vida de quem tem fibrilhação auricular ou sobreviveu a um AVC”, adianta Miguel Gouveia. No estudo lê-se que “cerca de 12% dos doentes que sofrem um AVC atribuível à fibrilhação auricular não se encontram aptos para voltarem ao mercado de trabalho” após o internamento nos cuidados intensivos e que “sensivelmente 52% dos doentes precisam de seis meses de fisioterapia após o internamento e 22% necessitam de 12 meses”.

Numa segunda fase, o estudo procurou quantificar os custos do tratamento da doença, concluindo que nesse ano, a preços de 2013, foram gastos 34 milhões de euros em internamentos nos hospitais públicos e 81 milhões de euros em ambulatório. A isto os investigadores somaram os chamados “custos indirectos”, num total de 25 milhões de euros, que resultam da perda de capacidade dos doentes e que se medem, por exemplo, pelo absentismo e reformas antecipadas. “Apesar de ser uma doença muito prevalente nas camadas mais idosas, começa a notar-se a partir dos 40 ou 50 anos, pelo que tem impacto em população em idade de trabalhar”, alerta o economista.

Muitos doentes por diagnosticar
O número de pessoas com esta doença em Portugal já tinha sido divulgado em 2010 no âmbito de um estudo do Instituto Português do Ritmo Cardíaco, que estimou que perto de 120 mil portugueses com mais de 40 anos sofressem de fibrilhação auricular, uma doença com sintomas que incluem a sensação dos batimentos descoordenados do coração (palpitações) e a pulsação rápida e irregular, com períodos de aceleração e desaceleração do seu ritmo. Os doentes podem também queixar-se de tonturas, sensação de desmaio, perda do conhecimento, dificuldade em respirar, cansaço, dor ou sensação de aperto no peito.

Ainda de acordo com o trabalho do instituto, 38% dos inquiridos não estavam diagnosticados, sendo a prevalência desta doença muito superior na população com mais de 70 anos (6,6%) e ainda maior em pessoas com mais de 80 anos (10,4%). O que acaba por ter impacto noutras contas, surgindo Portugal como o sexto país da Europa que mais gasta com acidentes vasculares cerebrais e como o segundo com custos per capita mais elevados.

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