Quando um cão fala em legendas e o encontro romântico entre o nosso herói e a nossa heroína decorre numa festa de máscaras em que ele vai de Freud e ela de Charlot, as luzes de alarme do indie americano xoninhas acendem-se com toda a força. E o realizador Mike Mills tem currículo na coisa: casado com a polarizadora artista multimedia Miranda July, aclamado realizador de telediscos (Air, Jon Spencer, Pulp, Moby), autor de uma primeira obra ("Chupa no Dedo", 2004, com Tilda Swinton, Vincent d'Onofrio e Keanu Reeves) onde a excentricidade disfuncional mascarava uma melancolia suave e doce-amarga sobre a vida em família.
Para a sua segunda realização, Mills seduz de novo um elenco de luxo para contar uma história mais expansiva e, sobretudo, bem mais pessoal, mantendo intacta a melancolia da estreia. "Assim É o Amor" é um filme sobre crescer e enfrentar as "grandes coisas" da nossa vida, sobre o "recomeçar do zero" que dá ao filme o seu título original ("Beginners"): conta o modo como um artista gráfico confronta, primeiro, a homossexualidade assumida aberta e tardiamente pelo seu pai septuagenário, e, três anos depois, a sua própria paixão por uma actriz francesa de passagem, ainda na ressaca da morte do pai de cancro. Repleto de desvios paralelos à narrativa central que reforçam a desorientação emocional de Oliver (Ewan McGregor) e inventários de momentos da cultura pop contemporânea ("1983: O primeiro Chicken McNuggets. 1995: Bush descobre Jesus"), "Assim é o Amor" desenvolve-se sedutoramente numa espécie de fractal em constante mutação, navegando com absoluta clareza (e sem nunca perder o espectador) entre três níveis temporais (Oliver adolescente com a mãe, Oliver adulto com o pai homossexual, Oliver adulto com Anna, a actriz).
Mas é também um filme estranhamente desequilibrado, significativamente mais convincente nas cenas entre pai e filho (assumidamente autobiográficas e baseadas na própria relação de Mills com o seu pai) do que na história de amor entre Oliver e Anna (inteiramente ficcionada). Ganha-se na acumulação de detalhes que constrói os universos emocionais das suas personagens, no modo como os actores as investem com intensidade e elegância (e Christopher Plummer, que anda com um embalo espantoso, é assombroso no papel do pai); perde-se na sensação de que esses detalhes nunca são suficientes para sustentar uma duração de longa-metragem, que há algo de redundante no modo como Mills parece estar sempre a passar "ao lado" da articulação dos dois lados da sua história. É esse desequilíbrio, agravado pela sensação do realizador se comprazer um pouco excessivamente na melancolia, que impede "Assim é o Amor" de se elevar acima da sua condição de indie-xoninhas, mesmo que muito simpático e tocantemente sincero.