Na sua mais recente exposição individual, "Miroirs", André Gomes regressa ao estudo da luz e da cor, vectores que, pontualmente, recebem em algumas das suas séries fotográficas um tratamento autónomo. O artista abdica então, como aqui sucede, de toda a identificação de um assunto, de um objecto, de um tema. As imagens que nos apresenta são puras manchas de cor e luz, apenas referenciadas a alguma realidade exterior pela técnica utilizada, a fotografia.A sua obra constrói-se, deste modo, pela alternância entre o rigor quase abstracto e o apelo da figura ou da paisagem em séries temáticas como "Era na velha casa...", apresentada no Museu da Electricidade em 2008, ou na sua participação no Prémio BESphoto, também em 2008. Contudo, é sempre um pouco paradoxal falar de abstracção quando, como aqui sucede, se trata de fotografia: como nos antigos estúdios fotográficos, André Gomes encena cuidadosamente a imagem a registar com Polaroid, que é depois ampliada e impressa digitalmente. O que o espectador vê possui sempre um referente físico, por muito diluído e inconstante que se dê a ver.
A aparência pictórica não é fruto do acaso. O artista possui uma sólida cultura que lhe tem permitido trabalhar o universo das imagens disponibilizadas pela história da arte de modo exemplar. Neste caso, a própria montagem da exposição acentua a evocação da disciplina da pintura: um painel de 18 imagens a cor opõe-se à sobriedade do claro-escuro em elementos únicos dispostos isoladamente ou em associações de dois por um ou quatro por um. Há intersecções que se estabelecem quase obrigatoriamente com a história da pintura, quer seja ela a da abstracção dos anos 50 e 60 do século XX ou a do sábio jogo de revelação/ocultação provocado pela luz barroca. Contudo, o motor de toda a obra de André Gomes não reside aqui, mas sim no processo infindável de citação e de apropriação da pintura que a fotografia disponibiliza.
Não existe, assim, na obra deste artista, a consideração modernista da fotografia na sua autonomia disciplinar. A propósito do título da exposição, o artista fala, aliás, de uma "verdade" que se esconde, de "cintilações" e "reverberações", de iluminações e de apagamentos - e sobretudo de labirintos e de puzzles, de caminhos sem saída por onde o olhar se perde sem lograr definir a identidade da coisa fotografada. Ora, este é um processo que, na sua essência, coincide em mais do que um ponto com o próprio processo de criação artística. O espelho, o mesmo espelho que é referido no título da exposição, é antes de mais um espelho mental onde o artista identifica o diferente de si - aquilo que quer criar -, por oposição à imagem de si, reconhecível e familiar.Por isso, as obras que integram esta exposição parecem indicar uma viragem na direcção da própria essência do trabalho artístico. Como actor (a outra faceta deste artista), a sua actividade reside na interpretação plástica de um texto; como fotógrafo, na criação de uma essência primordial da imagem através da cor e da luz. Esta não é uma exposição fácil. Mas é decerto uma das que mais interpelam aqueles que a visitam.