Não se pode dizer que o mundo da arquitectura e do design tenha descoberto agora a cortiça portuguesa porque não seria verdade. Basta para isso lembrar o sucesso do Pavilhão de Portugal na Expo 2010, em Xangai, todo revestido a cortiça, ou os produtos portugueses que há muito chegaram à loja do MoMA, o Museu de Arte Moderna de Nova Iorque. Mas se em 2010 a cortiça era especialmente usada por portugueses, em 2012 parece ser a aposta de artistas e arquitectos de todo o mundo.
Depois de ter sido o material escolhido pela dupla de arquitectos Herzog & de Meuron com o artista Ai Weiwei para o pavilhão de Verão deste ano da Serpentine Gallery, em Londres, e de ter sido o motivo de um concurso de design do Vitra Design Museum, não será de estranhar se a partir de agora começarmos a ver a cortiça cada vez mais associada a projectos internacionais.
Com esta aposta surgem novas aplicações do material. Começou como uma tendência para as peças de mobiliário e decoração, como mesas, cómodas e cadeiras, mas hoje já tudo, ou quase tudo, é possível. Candeeiros, roupa e calçado, acessórios de moda como colares, pulseiras e cintos, auscultadores e colunas, malas, guarda-chuvas, cadernos. A lista do que já existe é longa mas a das possibilidades parece ser ainda maior, como se comprovou no concurso de Verão do museu alemão Vitra Design Museum que, em parceria com o Domaine de Boisbuchet e a Corticeira Amorim (CA), desafiou jovens designers de todo o mundo a conceberem novas aplicações de cortiça. A resposta foi massiva e das 367 propostas destacou-se a de Ana Loskiewicz, designer polaca que venceu o concurso com uma colmeia de cortiça pensada para os grandes centros urbanos.
"Fiquei surpreendida com as possibilidades da cortiça, que além de ser um material realmente bonito é muito fácil de trabalhar", diz ao PÚBLICO a jovem polaca, que venceu o prémio no valor de dez mil euros e que ajudará a tornar a sua ideia num projecto comercializável. "Este é um projecto complicado, ainda é preciso fazer alguns testes, perceber como se dão as abelhas com esta colmeia, e provavelmente fazer algumas melhorias, mas é claro que o objectivo é que seja produzido em grande escala", explica a designer, que quer continuar a trabalhar com a cortiça. "É incrível como quase não há desperdício no processo de produção, além de ser um material que mostra como as pessoas podem usar a natureza de uma forma equilibrada e sustentável."
A sustentabilidade é, aliás, o argumento mais utilizado por Carlos Jesus, director de Marketing e Comunicação da CA e membro do júri que premiou Ana Loskiewicz. "A cortiça tem algo que o design e a arquitectura precisam, é um produto inovador que comporta sustentabilidade para as obras dos seus criadores e é por isso que vamos ver cada vez mais projectos com este material", diz ao PÚBLICO Carlos Jesus, que garante que "isto não é uma questão de moda". "É resultado de um longo trabalho de educação", explica, defendendo que num momento em que a preocupação ambiental é cada vez mais importante, a escolha dos materiais tem de ser mais cuidada.
Projectos de todo o mundo
É por isso que, diz, concursos como o que do Vitra Design Museum são uma montra de possibilidades, uma prova de como a arte se consegue tão bem reinventar. "O que vimos por lá foi incrível, não foi fácil decidir porque tivemos propostas de todos os tipos, o que dá uma ideia da abrangência da cortiça, da diversidade de mercados que pode atingir", conta Carlos Jesus.
Essa abrangência é notória nas menções honrosas: uns headphones, uma geleira, uma tomada eléctrica, uma linha de cadeiras, e tecido de cortiça. "E mais poderiam estar nesta lista, a verdade é que estamos a olhar para vários projectos que vimos neste concurso e que têm muito potencial", revela o responsável, explicando que algumas das ideias estão a ser estudadas para chegarem ao mercado nos próximos tempos. "Pela sua qualidade e interesse, alguns projectos vão ser comercializados porque há de certeza mercado para isso", garante.
Mas para Carlos Jesus o mais surpreendente do concurso foi mesmo a quantidade de candidaturas de países tão distintos como o Irão, o Japão, a Nova Zelândia, o Brasil, a Grécia ou os Estados Unidos. Portugal foi dos países com mais propostas, ao lado de Espanha. "Isto demonstra o potencial e o interesse dos artistas pela cortiça, é que mesmo aqueles que não têm uma tradição com este material conseguiram agarrá-lo."
Não será, no entanto, por acaso que nos últimos tempos a cortiça se tornou a nova coqueluche da arte. Quando, em 2010, Xangai recebeu a Expo, o Pavilhão de Portugal foi um dos que mais deu que falar. O motivo? A sua arquitectura e o material usado. "O pavilhão, todo revestido com cortiça, foi um dos mais visitados e acabou premiado, e convenhamos que numa Expo como aquela Portugal não era o destaque", diz Carlos Jesus, lembrando que os visitantes chegavam até a tirar pedaços do edifício como recordação.
"Será por acaso que dois anos depois do sucesso na China, um artista chinês [Ai Weiwei] escolheu a cortiça para o seu projecto na Serpentine? É coincidência? Nunca saberemos, porque este é um impacto difícil de medir, mas a verdade é que estamos a crescer", assegura. Esta utilidade da cortiça não foi descoberta agora. O que está a acontecer, diz, é que a estamos a descobrir novamente. "Estamos a recuperar algo que Frank Loyd Wright já utilizava nos anos 1930. Parece é que depois o mundo se esqueceu e a modernidade passou a ser o plástico. Felizmente, estamos a voltar para a cortiça e a renovar a sua utilidade."
Carlos Jesus garante que também não é por acaso que a Corticeira Amorim tem apoiado todas estas iniciativas, assumindo que a empresa quer estar do lado do design e da arquitectura. "São duas áreas muito importantes para nós e nas quais queremos continuar a apostar."
É, por isso, provável que mais projectos sejam anunciados em breve. "Há uma série de projectos com designers e arquitectos de renome internacional em que estamos a trabalhar."