Mais Do Que Amor É Amar (1986, Polygram). Carlos do Carmo já tinha 15 álbuns, mais coisa menos coisa. Daniel acabara de nascer nas Caldas da Rainha. Vinte e sete anos depois (uma mão cheia de discos depois), os dois artistas encontraram-se (sem nunca se terem encontrado) numa parede lisboeta.
Graça, Calçada do Monte, íngreme e panorâmica. Junto ao escadote e aos carros estacionados com mudança engatada, foi crescendo Carlos do Carmo, pelo menos o Carlos do Carmo que, em meia dúzia de dias, se formou na cabeça de Eime, nome artístico de Daniel, que já tinha ouvido falar do fadista mas nunca foi muito dado a fados. Teve uma parede "bastante degradada" para interpretar 50 anos de uma carreira singular. Manual de instruções: uma fotografia (para promover o álbum Fado é Amor, a Universal pediu-lhe uma interpretação urbana do retrato e deu-lhe carta branca e um muro vazio) e as técnicas acumuladas durante a curta carreira de um artista de rua que sempre preferiu "caras de anónimos". "Esta é a primeira vez que estou a pintar uma pessoa que se reconhece quando se olha para o muro", diz ao Ípsilon. "Quero que ele saia da parede ou que se funda na parede", vai pensando alto. Quer que o seu Carlos do Carmo seja a parede, quer que o fadista seja Lisboa.
Daniel nasceu nas Caldas da Rainha, onde começou as suas "letras e coisas ilegais sem vandalismo". Eime (da palavra alemã Eimer, que significa balde/recipiente, e que perdeu o "r" porque "ficava sempre mal desenhado") formou-se nas ruas e paredes lisboetas entre "trabalhos caseiros", simetrias,stencil, autocolantes, posters (obras efémeras "queimadas pelo sol em Lisboa") e as aulas no Chapitô, as artes circenses, o malabarismo e a cenografia. "Em Lisboa conheci pessoas, apanhei esse boom da arte urbana", recorda durante uma conversa à mesa de um café no Porto, onde estudou (Escola Superior de Música e Artes do Espectáculo) e trabalha como cenógrafo sempre que não tem muros para pintar ("Com a cenografia não consigo pagar contas").
Há vestígios de Eime no Porto (no bar Baixaria e na Fábrica Social), em Freamunde (Putrica), em Viana do Castelo, duas obras em Lagos e nas Caldas da Rainha, três nos Açores (Walk&Talk). Também já esteve em Bristol (Upfest), Zurique (Starkart) e em Paris (Tour Paris 13). Lisboa, que já tinha rostos anónimos nas traseiras do hospital Júlio de Matos e no Alto da Eira, ganhou um rosto (técnica stencil, que define todo o seu trabalho recente) com cerca de 3,5 metros assente numa base branca pintada a rolo "para ganhar movimento". "Com o passar dos anos fui reduzindo os layers e passei a desenhar mais a olho", explica. No seu Carlos do Carmo, usou "um stencil e meio", o cinza claro e metade do escuro. "Quando as pessoas olham para qualquer uma das minhas obras anteriores, criam a sua própria história. Normalmente são rostos velhos, com rugas e história, e não apenas meninas bonitas. Olhas, não conheces, mas vais buscar memórias tuas, do teu avô ou do senhor da mercearia". Desta vez, a história é diferente. Existe. Deixou marcas na cidade. "Faz sentido o Carlos do Carmo estar numa parede de Lisboa."