Um fato robótico para que paraplégicos possam dar uns passos

Lançado um novo modelo de fato biónico que permite a quem tenha paralisia dos membros inferiores pôr-se de pé e andar de forma quase independente. “Sinto as costas a moverem-se como se fosse eu a andar”, relata a portuguesa Maria Freitas, que usa o aparelho desde o final do ano passado.

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O fato robotizado criado pela empresa Ekso Bionics Ekso Bionics
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O fato robotizado ajuda a suportar o peso do doente Ekso Bionics

Desenvolvido por uma empresa norte-americana, o exosqueleto Ekso Bionics permite que doentes com vários níveis de paralisia nos membros inferiores, causada por acidente ou doença, possam levantar-se e andar. Ajusta-se ao corpo de cada doente com tiras de velcro, que podem ser colocadas e retiradas pelo próprio, mas a sua utilização deverá ser sempre vigiada. Os 23 quilos do fato biónico são totalmente suportados pelo robô e não pelo doente. Pode ser usado por doentes com 1,50 a 1,90 metros de altura e 100 quilos, no máximo. E o preço inicial recomendado em Portugal é de 120 mil euros, informa Allison Sojka, directora de marketing da Ekso Bionics.

Um dos requisitos é que os doentes tenham alguma força nos membros superiores: o dispositivo, que apoia o tronco e os membros inferiores, é alimentado por baterias (com uma duração de cerca de duas horas), mas o doente terá de se apoiar em canadianas ou num andarilho.

Porém, Tom Shaw, com uma lesão da medula espinal que o deixou paralisado quase até aos ombros e sem função motora nas mãos, consegue mesmo assim usar o aparelho. “Tenho umas luvas especiais que permitem agarrar-me ao andarilho e tenho força suficiente nos ombros para o guiar”, relata ao PÚBLICO o britânico de 31 anos, que também faz terapia na clínica Prime Physio.

São já mais de 100 as pessoas que utilizaram o fato biónico nesta clínica britânica, com um total de 100.000 passos dados, refere o director da Prime Physio, o fisioterapeuta Andrew Galbraith, que começou a ter formação com o Ekso no final de 2011. Cerca de um ano depois, disponibilizou-o na sua clínica.

A nível mundial, Tom Shaw, Marianna Rooprai e Carly Taylor são os doentes com as lesões medulares mais graves (por se situarem na quarta vértebra cervical) a utilizar o robô Ekso. Fazem-no sob a vigilância de Andrew Galbraith. Tom Shaw, que vai à clínica fazer terapia de reabilitação duas vezes por semana, usa o exosqueleto uma ou duas vezes por mês. “Sinto-me extremamente afortunado por poder ter esta oportunidade.”

O aparelho foi concebido para que os doentes possam caminhar mesmo que não consigam comandar os seus movimentos – sensores incorporados dão informação sobre a posição do corpo e o robô ajusta-se ao movimento que se pretende fazer.

“Pomos o corpo direito como se fôssemos andar, inclinamo-nos um bocadinho para o lado e damos o primeiro passo”, explica Maria Freitas, sobre a forma como utiliza o fato biónico. Nas primeiras sessões com o Ekso, não era só o fato robótico que detectava o movimento do corpo dela, era também o seu cérebro que queria comandar o movimento das pernas. No entanto, desde o acidente de mota, em 2009, que o cérebro de Maria Freitas não consegue comunicar com as pernas.

Embora o robô controle totalmente os seus movimentos, ela sente a reacção de outros músculos: “O corpo sente o movimento. Sinto as costas a moverem-se como se fosse eu a andar.”

Ao dosear a força exercida pelo Ekso Bionics, o terapeuta incentiva o doente a investir mais ou menos esforço, consoante os objectivos para a sessão de terapia. Pode mudar-se o padrão de locomoção, a velocidade e o comprimento dos passos, consoante os progressos do doente. O robô também ajuda a reaprender a andar: como dar cada passo, como mudar o peso do corpo de uma perna para a outra para preparar o próximo passo e qual a posição ideal do corpo para se manter em equilíbrio.


O novo modelo
Existindo desde 2005, inicialmente com o nome Berkeley Exoworks, a Ekso Bionics tencionava criar exosqueletos robóticos que melhorassem o desempenho físico, por exemplo para transportar cargas pesadas em terrenos irregulares, com degraus ou inclinados. Daí ter sido financiada pelo Departamento de Defesa dos Estados Unidos para desenvolver um portador de carga universal destinado a humanos (Human Universal Load Carrier), que posteriormente foi melhorado para fins militares.

Baseando-se nesta tecnologia, a Ekso Bionics comercializou o seu primeiro fato biónico para uso em clínicas de reabilitação em Fevereiro de 2012, e abriu a sua primeira loja em Cambridge em Junho desse ano.

Nos últimos dois anos, a Ekso criou quatro modelos que foram sendo aperfeiçoados mediante os resultados no tratamento dos doentes – cada aparelho recolhe informações em cada sessão terapêutica. “Mostra não só a velocidade a que avança a tecnologia, mas também o ritmo a que a comunidade clínica está a adoptar [o Ekso] nos seus programas de reabilitação”, refere, num comunicado de imprensa, Nathan Harding, presidente da Ekso Bionics.

O Ekso GT, o modelo mais recente, lançado no final de 2013, introduz avanços mecânicos e no software que controla o aparelho. “As melhorias mecânicas do Ekso GT incluem o ajustamento [do robô] a cada doente de uma forma mais fácil e rápida; a flexibilidade na ligação e na rotação da anca para que os doentes com melhores capacidades motoras tenham mais liberdade [de movimentos]; e o ajustamento do pé para uma marcha mais estável”, esclarece ao Allison Sojka.

A rapidez com que se veste o robô Ekso e a facilidade com que se ajusta entre doentes são algumas vantagens referidas por Jorge Jacinto, médico no Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão (CMRA), quando o compara com o aparelho de marcha suspensa Lokomat utilizado na sua instituição. “O Lokomat é mais volumoso e mais trabalhoso de colocar.”

Os fatos biónicos Ekso são especialmente concebidos para uso em clínicas, onde o terapeuta controla remotamente o aparelho. “Contudo, há já alguns indivíduos que possuem fatos Ekso e que os usam como um aparelho de exercício físico. A marcha pode ser acompanhada por terapeutas nas clínicas ou terapeutas que tenham sido contratados a título particular”, diz Allison Sojka.

Entre os doentes que já recorreram aos serviços da clínica onde trabalha e que actualmente utilizam o Ekso Bionics no seu dia-a-dia, Andrew Galbraith menciona dois: Claire Lomas, a primeira mulher com lesões medulares a completar uma maratona usando um exosqueleto, e Mark Pollock, um atleta cego e paraplégico que usa regularmente o robô.

A maior parte dos que utilizam o fato biónico tem lesões da medula espinal, completas ou incompletas. “Para doentes com lesões da medula espinal incompletas, o Ekso é uma ferramenta que permite melhorar a função de marcha, que conduz ao caminhar sem um exosqueleto”, esclarece Andrew Galbraith. Acrescenta ainda que, nos casos de lesões medulares completas, se pretende melhorar as funções motoras próximo da zona da lesão, manter uma boa postura, reduzir os espasmos e, principalmente, obter um efeito psicológico.

“Foi realmente espantoso estar à mesma altura da minha família e da minha namorada”, diz Tom Shaw, ao recordar o primeiro momento em que vestiu o Ekso Bionics. “Foi provavelmente o momento mais feliz que tive desde o acidente.”

O Lokomat também é usado no treino e na reeducação da marcha, sendo articulado nas ancas, nos joelhos e tornozelos. “É um exosqueleto, mas está fixo a um sistema de suspensão [sobre uma passadeira rolante]. Retira uma parte do peso do doente consoante aquilo que ele já é capaz de suportar”, explica Jorge Jacinto, responsável por um dos serviços de reabilitação de adultos do CMRA.

“[No CMRA,] para uma percentagem significativa dos pacientes com lesão medular, o Lokomat faz parte do programa de reabilitação em alguma fase desse processo”, garante Jorge Jacinto. É usado não só nos doentes que ainda não conseguem caminhar nem manter-se de pé, mas também para corrigir alguns defeitos na locomoção de quem voltou a andar, como o coxear ou uma postura incorrecta.


Outras vantagens para a saúde
A marcha com os exosqueletos em geral ou mesmo a possibilidade de estar de pé pretende prevenir outras complicações de saúde, como problemas nos intestinos e na bexiga, doenças do coração ou osteoporose. “Para nós, paraplégicos, é bom estarmos de pé”, diz Maria Freitas. “Tenho um suporte para estar de pé, para não estar sempre na cadeira de rodas, porque faz bem aos músculos da barriga esticar-me um bocado. Também alivia as dores que tenho nas costas”, explica.

“Estão a realizar-se estudos sobre o impacto dos aparelhos Ekso em complicações relacionadas com a vida em cadeira de rodas. Vão incidir sobretudo no impacto no sistema digestivo, na dor neuropática [devido a fibras nervosas disfuncionais], em úlceras de pressão [aparecem quando se passa muito tempo na mesma posição] e na densidade óssea”, refere Allison Sojka.

Além disso, estar de pé e andar, mesmo que artificialmente, é importante para a auto-estima. “Não há esperança de que volte a andar, os principais benefícios são psicológicos. É extremamente moralizante”, diz Tom Shaw, paralisado há dois anos, depois de ter sido empurrado para dentro de uma piscina. Antes do acidente, fazia trabalho humanitário. Aprendeu a falar português quando esteve no Brasil, na Guiné-Bissau e em Moçambique. Agora continua a trabalhar para organizações não-governamentais, em casa, e faz traduções de português para inglês.

No CMRA, Jorge Jacinto explica o que fazem: “Desde o início, tentamos colocar o doente de pé, transferir o peso do corpo de um lado para o outro. Isto é fundamental para dar motivação.” Só lamenta que o Lokomat seja fixo e a utilização restrita ao ginásio.

Para compensar esta limitação, no CMRA “os doentes que já têm capacidade de andar não treinam só no ginásio, vão para o corredor e para a rua testar diferentes tipos de piso e degraus”, diz Jorge Jacinto. “Tentamos adequar o treino à vida real.”

Além de um aparelho Lokomat, para treino dos membros inferiores, no CMRA há também três aparelhos Armeo, para a reabilitação dos membros superiores (dois para adultos e um para crianças). Entre os modelos Lokomat, existe ainda um modelo pediátrico, embora não esteja disponível no CMRA.

Actualmente, a Ekso Bionics já vendeu os seus exoesqueletos para cerca de 40 centros de reabilitação e hospitais em todo o mundo, sobretudo na América do Norte e Europa, incluindo três em Espanha. “Têm um [robô Ekso] num centro de referência, o Instituto Guttman, em Barcelona”, refere Jorge Jacinto. 
 

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