35 anos não é muito tempo para o rock sem data dos Xutos & Pontapés

Já passaram 35 anos desde o primeiro concerto dos Xutos & Pontapés. Segunda-feira editam o novo álbum, Puro, o 13.º de originais. Para os comendadores do rock português, não há data que não se celebre nem há ano que os pare. É "até cair para o lado".

Tim durante a audição de <i>Puro</i>
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Tim durante a audição de Puro Pedro Nunes
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A banda nos estúdios no dia em que deu a conhecer o novo trabalho Pedro Nunes
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Material dos Xutos & Pontapés nos estúdios Pedro Nunes
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Material dos Xutos & Pontapés nos estúdios Pedro Nunes
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Kalú e João Cabeleira Pedro Nunes
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Zé Pedro, Tim, Kalú, Gui e João Cabeleira a ouvirem o disco com os jornalistas Pedro Nunes

A alegria com que nos recebem no estúdio baptizado de “casinha” é a de quem tem finalmente uma casa para ser feliz. Zé Pedro faz as honras e, ao passearmos pelo edifício de três andares onde fica o escritório, o estúdio, a garagem e a oficina dos Xutos & Pontapés, questionamo-nos como é que isto não aconteceu mais cedo. Afinal, eles que andam na música há décadas, ainda não tinham uma casa à sua medida? “Realmente, isto agora é outra coisa”, diz Zé Pedro, que pelo meio nos oferece um copo de vinho Xutos & Pontapés. Percebemos que a banda atingiu um estatuto histórico quando até já edições especiais de vinho tem para nos oferecer. São assim os Xutos de 2014, uma banda amadurecida que continua a querer mostrar porque é que ainda anda nestas lides. “Não fazemos as coisas por fazer, é a nossa vontade ter músicas novas e continuar até cair para o lado”, diz o guitarrista João Cabeleira.

O objectivo é chegar aos 50 anos de carreira, tal como aqueles dinossauros do rock, os Rolling Stones. E depois disso, “é para continuar”, diz o baterista Kalú, que não se vê a fazer outra coisa. Mas calma, não falemos já do futuro. “Ainda agora começámos a celebrar os 35 anos”, acrescenta Zé Pedro, sem dúvidas de que este vai ser um ano em grande para os Xutos & Pontapés.

Puro, o álbum que na segunda-feira chega às lojas, é só o início da festa. Gravado integralmente nesta “casinha”, foi a primeira vez que Zé Pedro, Tim, Kalú, Gui e João Cabeleira não precisaram de andar de um lado para o outro para fazer música. Antes, eram os instrumentos gravados num sítio, as vozes noutro. “Com a mudança para aqui, conseguimos gravar tudo no mesmo sítio e o disco foi-se fazendo ao longo de um ano e meio”, diz Zé Pedro, para quem Puro não podia descrever melhor o estado da banda ao fim destes 35 anos. “Acho que ficou uma peça muito boa de rock cantada em português”, continua, explicando que o espaço, renovado pelo atelier Aires Mateus, tornou-se mesmo a casa da banda. “Passámos muito tempo aqui e é como se nos sentíssemos mais à vontade, foi diferente gravar este álbum.”

E diferente foi também a apresentação do disco. Foi uma escuta colectiva, tal como Zé Pedro fazia com os amigos ainda em miúdo, quando mandava vir os discos de vinil de Londres, conta-nos. Sentados no estúdio, com a banda e outros jornalistas, ouvimos Puro de fio a pavio. Cadeiras em roda, aparelhagem no centro e discos nas mãos, qual terapia de grupo. Conseguimos sentir os nervos de Kalú, inquieto no seu lugar – há dois dias que não dormia a pensar nesta audição, contar-nos-ia depois –, a segurança de Zé Pedro e o cantarolar de Tim, Gui e Cabeleira. Seguem-se umas atrás das outras e, mesmo nunca tendo ouvido estas canções e as letras, o som não engana. São os Xutos & Pontapés.

“Fizemos uma série de músicas rock e ainda bem, porque ninguém teve de revisitar fantasmas, nem ser o que era dantes, nem fazer melhor do que fazia – toda a gente teve de ser o que é”, diz o vocalista Tim, para quem neste disco todos têm uma grande presença. “Quem gosta do Cabeleira vai ouvir Cabeleira a 100%, quem gosta do Kalú vai ouvir Kalú a 100%, quem gosta mais do Zé, vai ouvi-lo a 100%, e por aí adiante”, explica Tim. Para Gui, o saxofonista, “este é um disco que nos vem da alma”. “Foi o que nos saiu sem grandes tratamentos, sem nada, é só o que sentimos.”

E o que os Xutos & Pontapés sentem nunca esteve tão claro. O disco arranca com Tu também (há 10.000 anos atrás), o single de avanço do álbum, mas seguem-se depois duras canções sobre o país em que vivemos. Perguntam eles em Da_Nação: “Onde é que eles foram, onde é que eles estão/esses que eram o futuro da nação.” Falam daqueles que nos últimos anos têm partido de Portugal à procura de futuro melhor. Por cá deixaram a família e o cão a quem fazem agora festas pela Internet, como canta Tim em A voz do dono.

O que aconteceu no ano passado no Bairro do Lagarteiro, quando a EDP cortou a luz a várias dezenas de casas, também não lhes foi indiferente. "Aqui no bairro anda tudo lixado/a companhia cortou a luz, não sei quem foi o coração enganado/que veio dizer ‘a culpa é do chinês’/mas eu ando desconfiado/que há outro alguém aqui em contraluz/veio o fiscal aqui ao bairro/veio a polícia e cortou a luz”, ouve-se em Ligações directas, enquanto em O milagre de Fátima se fala, com alguma sátira, do negócio no Santuário de Fátima – esta última arrancou mesmo algumas gargalhadas na audição.

“Era parvo da nossa parte contornar os problemas que vivemos hoje, é quase como diz o ditado ‘A ocasião faz o ladrão’”, diz Kalú, ao mesmo tempo que Cabeleira e Gui se apressam em elogiar o trabalho de Tim nas letras. “É o Tim no seu melhor, consegue ser subtil mas dizer as coisas”, diz Cabeleira. “Nos Xutos sempre houve algum espaço para a crítica mas o que acontece é que agora torna-se mais evidente, as pessoas estão mais despertas”, explica Tim, para quem “é impossível escapar à realidade e à força da notícia”.

“Mas é preciso ter cuidado porque se não, às tantas, fazemos um disco que parece o jornal O Crime”, continua, desvalorizando qualquer controvérsia que possa gerar o disco, sucessor do homónimo Xutos & Pontapés, lançado em 2009 – comemoravam então 30 anos. É verdade, eles gostam de datas redondas e não deixam a celebração em mãos alheias. Prova disso é o concerto já marcado para 7 de Março no Meo Arena, em Lisboa. Não podem contar muita coisa, mas prometem que não vão desiludir. “Vai ser um concerto em grande”, diz Kalú. “Nunca ninguém fez o que vamos fazer ali”, diz Zé Pedro, garantindo que “quando souberem vão-se passar”.
 
 
 
 
 
 
 
 
 

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