Governo investe três milhões para tratar "osteoporose" da defesa da costa em Ovar
Intervenções já programadas para uma das zonas do país mais afectadas pela erosão avançam na próxima semana.
Vera Catarina mostra o mar ao filho Ricardo na marginal sul do Furadouro. O mesmo mar que nos últimos dias não tem dado descanso a moradores e comerciantes que viram as suas casas inundadas. As ondas continuam altas. “Todos os dias, vimos cá ver como está o mar e todos os dias ele nos surpreende. As ondas, nossa senhora, são muito altas, mas hoje [ontem] o mar até está melhorzito”, diz a mãe. O pequeno Ricardo, de dois anos, de pé no muro seguro nos braços da mãe, completa-lhe os pensamentos. “O mar é muito perigoso... É mau.”
Foi esse mar a bater nas rochas, ondas que não param de crescer, pedras cuspidas para a marginal e uma esplanada destruída num bar de madeira que o ministro do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia, Jorge Moreira da Silva, viu nesta quarta-feira no Furadouro, acompanhado pelo secretário de Estado do Ambiente, Paulo Lemos, e pelo secretário da Administração Local, Leitão Amaro. Minutos antes, os governantes tinham visto com os próprios olhos a muralha de areia que há dias foi erguida na praia de Cortegaça para proteger pessoas e bens e um areal engolido pelo mar na praia dos pescadores em Esmoriz. E o que viram ao vivo e a cores, fora dos ecrãs das televisões e de imagens dos jornais, não deixou margens para dúvidas.
Na próxima semana, avançam acções urgentes no litoral vareiro, mais concretamente em Esmoriz, Cortegaça, Maceda e Furadouro. Intervenções que se prevêem rápidas e que deverão estar concluídas até ao Verão, com excepção de Cortegaça, onde as máquinas deverão permanecer mais tempo, até ao próximo Inverno. Intervenções para substituir e requalificar barreiras aderentes, preencher praias com areia, reabilitar dunas, proteger arribas.
“Não é necessária uma obra gigantesca de construção civil. Trata-se de uma intervenção rápida e urgente”, garantiu Moreira da Silva. “É evidente que ninguém lança obra porque, no fim-de-semana, aconteceu uma intempérie. Esta obra estava estudada, desenhada, o caderno de encargos estava feito, alguns concursos já tinham sido feitos e estavam em condições de serem adjudicados”, acrescentou. Nesta empreitada, em Ovar, o Governo investirá três milhões de euros – uma pequena fatia dos 300 milhões que o ministério tem para investir ao longo deste ano em toda a área do litoral, com especial incidência na defesa costeira.
O ministro escutou os alertas dos responsáveis locais e deverá também ter ouvido os comentários que entravam pelos ouvidos aqui e ali. “É incrível como se sente a força deste mar.” “Se nada for feito, ele leva tudo a eito.” “Oxalá o tempo melhore, porque estas ondas estão cada vez maiores.” Moreira da Silva não deixaria de comentar o cenário que encontrou pela frente. “Esta protecção aderente sofre daquilo que se costuma designar na área da saúde por osteoporose, na ligação entre as pedras há muitos espaços vazios e isso levou a que as inundação fossem maiores”, referiu no Furadouro.
Não é ficção científica, é realidade
A visita começou em Ovar, passou pela praia da Barra em Ílhavo e terminou na Tamargueira, na Figueira da Foz. Moreira da Silva confirma que a protecção do litoral é uma das principais prioridades do seu ministério e aquela que levará a maior quantia do orçamento. E 20% de todos os fundos comunitários destinados a Portugal serão dedicados às alterações climáticas. O ministro avisa que não se pode brincar com coisas sérias.
“Quando, muitas vezes, algumas pessoas olham com uma certa sobranceria, até com algum cinismo, para o discurso a favor das energias renováveis, da eficiência energética, da mobilidade sustentável, da redução das emissões. É importante que tenham a noção de que a mudança climática, infelizmente, não é ficção científica, não é matéria para daqui a 20, 30 anos, está a ocorrer.” Nesse sentido, o ministro insiste na mobilização de todos os recursos disponíveis, das autarquias locais e populações. E deixa um alerta bem concreto: “Não podemos ter uma política de ordenamento do território com PDM [Planos Directores Municipais] desenhados para 40 milhões de habitantes quando somos dez milhões, com construções feitas em leito de cheia, em cima da praia.”
Os pontos nevrálgicos de protecção do litoral estão identificados. “A nossa costa está sob um risco sério. Cerca de 80% da população vive na orla costeira e 67% da nossa orla costeira está sob risco de perda de algum território”, referiu. “Os cenários de alteração climática, que ainda há poucas semanas foram publicados, colocam Portugal como um dos países sob o maior risco no contexto europeu. Tudo isto justifica que se olhe para o litoral como para a floresta como sectores estratégicos, territórios que devem ser protegidos de uma forma sustentável”, acrescentaria