Ministério Público pede 30 meses de internamento para aluno que atacou colegas em Massamá
Julgamento começa esta terça-feira. Advogado defende outro acompanhamento do jovem. Direcção-Geral da Reinserção garante que “todos os procedimentos previstos” estão a ser respeitados
O aluno do 11.º ano de Economia, a quem elogiam a inteligência, filho de um casal de classe média, integrou-se, sem qualquer tipo de problema disciplinar, nas rotinas do Centro Educativo dos Olivais, em Coimbra, onde está internado desde meados de Outubro juntamente com outros jovens que, com 16 ou menos anos, cometeram actos qualificados na lei como crime. “Estuda durante o dia, tem aulas de informática, pode ver televisão até às nove da noite e às nove da noite é fechado à chave no quarto”, explica o advogado.
Está acusado, ainda de acordo com Pedro Proença, de terrorismo e de “60 crimes de homicídio na forma tentada”. Porquê 60? Porque, quando a polícia o deteve, a 14 de Outubro, ainda na escola, disse que pretendia imitar um massacre, como o de Columbine, nos Estados Unidos, e bater um recorde: matar pelo menos 60 pessoas. No liceu de Columbine, em Abril de 1999, dois estudantes, de 17 e 18 anos, mataram 13 e suicidaram-se de seguida.
O adolescente responde ainda por ofensas à integridade física e por posse de armas proibidas (facas e bombas de fumo, que levava na mochila naquele dia de escola).
A poucas horas do início do julgamento, Pedro Proença não tinha tido ainda acesso ao relatório da perícia sobre a personalidade do jovem, feita por um psiquiatra forense. E, por essa razão, pede que o julgamento seja adiado ou interrompido, para que possa preparar melhor a defesa. O advogado alega ainda que o psiquiatra que fez a avaliação do jovem “só esteve com ele quatro vezes, num total de cerca de três horas, ao longo dos três meses” do internamento. “O MP entende que o centro é uma entidade idónea, mas eu entendo que esta avaliação devia, pelo menos, ter sido supervisionada por outros técnicos da Direcção-Geral de Reinserção Social”, diz Pedro Proença, que também entregou um pedido no tribunal para que seja feita uma segunda avaliação da personalidade do rapaz.
Lamentando que a preocupação do MP pareça ser “apenas a de erradicar o miúdo da sociedade”, e que o seu cliente não esteja a ser acompanhado, do ponto de vista da saúde mental, como devia, sublinha: “Em três meses, o miúdo esteve três vezes com um psicólogo e quatro com um psiquiatra” e “está a ser medicado como se fosse um adulto sem nunca ter sido visto por um pedopsiquiatra”. Mais: “Tem colegas que já estão internados pela terceira vez, outros saíram e já estão presos. Estes centros não são mais do que prisões para menores, com taxas de reincidência elevadíssimas. A intervenção clínica/psiquiátrica não é satisfatória e ele quer ser acompanhado a sério.”
O PÚBLICO contactou Licínio Lima, subdirector da Direcção-Geral da Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP), e pediu informações sobre o trabalho que está a ser feito com o rapaz. O responsável garante apenas que “o jovem está a ter um acompanhamento que respeita todos os procedimentos previstos para este tipo de situações”.
Como um nerd
Um estudo recentemente divulgado, o Programa de Avaliação e Intervenção Psicoterapêutica no Âmbito da Justiça Juvenil, promovido pela DGRSP e co-financiado pela Comissão Europeia, revela que a média etária dos rapazes dos centros é de 16,6 anos. Em geral, acumulam mais de três anos de chumbos na escola, e, em 80% dos casos, são de famílias cujo estatuto socioeconómico é baixo. Mas o mais impressionante é que mais de 90% dos que foram entrevistados têm pelo menos uma perturbação psiquiátrica, “o que é um dado astronómico”, como classificou Daniel Rijo, professor da Universidade de Coimbra, um dos autores do trabalho para a DGRSP. Nem todos têm o acompanhamento que seria necessário, admitiu.
Sobre o estado de saúde mental do adolescente de Massamá, pouco se sabe. Mas o rapaz é descrito por quem lida com ele como culto e inteligente. Nunca chumbou, o pai é técnico de radiologia e mãe trabalha num consultório médico – características que não correspondem bem ao perfil dos jovens que foram alvo do estudo da DGRSP.
Ao advogado, o rapaz contou, logo nos primeiros contactos, que há muito se sentia triste e só, que ambicionava uma vida diferente da dos pais, com quem falava pouco, que na escola era tratado como nerd e que chegou a pensar no suicídio.
Há relatos ainda de que há cerca de um ano passou a ser protagonista de alguns episódios de indisciplina na escola. Na segunda-feira, 14 de Outubro, tirou da cozinha da casa dos pais duas facas. Na aula de Português fez deflagrar um engenho de fumo, golpeou primeiro um colega (um dos colegas com quem mais se dava), depois uma colega. E fugiu. Pelo caminho foi interceptado por uma funcionária, que atacou com a faca, e continuou a fugir.
Quando a polícia o deteve, já na rua, deixou-se levar. Na mochila, tinha embalagens de fumos de cor verde, amarela e vermelha, gás pimenta, frascos de álcool, fósforos, isqueiros. Numa folha A4 descrevia “com bastante pormenor”, segundo a polícia, um plano para matar 60 pessoas. Disse que fora feito com um colega, “mais por brincadeira”. E que estava arrependido.
Segundo a Lei Tutelar Educativa, os jovens que cometem actos qualificados na lei como crime podem estar, no máximo, três anos internados em regime fechado num centro educativo. Nestes casos não se fala de “penas”, mas de “medidas tutelares”. Em Outubro, segundo as estatísticas mais recentes, os centros educativos tinha 270 internos (a medida de internamento pode ser executada em regime aberto, semiaberto ou fechado, definido consoante o grau de abertura ao exterior).
Justiça promete mais acompanhamento
A DGRSP anunciou recentemente a intenção de melhorar o acompanhamento, do ponto de vista de saúde mental, dos jovens delinquentes internados em centros educativos. Foi a resposta às elevadas taxas de incidência de problemas de saúde mental que o Programa de Avaliação e Intervenção Psicoterapêutica no Âmbito da Justiça Juvenil veio revelar – em mais de metade dos casos, os mais de 200 jovens avaliados pelos peritos acumulavam mais do que um tipo de perturbação distinto.
“O Estado tem obrigação de proporcionar o acompanhamento médico e psicoterapêutico necessário a estes jovens, para que eles consigam ultrapassar os seus problemas”, diz Licínio Lima, subdirector da DGRSP. O responsável diz que a DGRSP está a trabalhar em duas novas medidas nesta área: em primeiro lugar, será criada uma equipa de âmbito nacional que terá como tarefa avaliar os menores que chegam aos centros, e, sempre que tal se revele necessário, definir um plano de intervenção que pode passar pelo encaminhamento para as equipas técnicas da DGRSP ou para o Serviço Nacional de Saúde (SNS). “É necessário que haja um trabalho terapêutico junto dos jovens e, se possível, junto das famílias”, diz Licínio Lima.
Em segundo lugar, pretende-se criar uma unidade terapêutica para receber, nos primeiros tempos da aplicação da medida de internamento, “os que chegam mais descompensados e com perturbações mais graves”. Evita-se assim que a sua inclusão imediata nos centros educativos seja perturbadora da vida dos centros e garante-se “um acompanhamento mais especializado”. As duas medidas estão a ser trabalhadas em conjunto com o SNS.