Uma estúpida devoção pelo segredo

Ao exigir que a divulgação de opiniões dos participantes seja sujeita a autorização prévia transformou um exercício que reclama transparência e honestidade num conclave maçónico onde a reverência do salamaleque e a cobardia do segredo imperam. A discussão sobre o que deve ou tem de ser o Estado é uma discussão que interessa à comunidade nacional e nada do que for reflectido ou dito lhe deve ser cerceado ou censurado. Esta conferência é, por isso, um insulto.

Se o Governo quiser discutir a segurança nacional com especialistas num encontro secreto, que o faça: todos havemos de perceber que até em democracia há coisas que exigem recato. Se quiser ouvir um sinédrio de especialistas em finanças públicas ou de peritos em modelos de organização sobre o futuro do Estado, que o faça: um pouco mais de ponderação e de saber é algo que se pressente estar em falta. Se sobre a reforma ou refundação do Estado ou do Estado social decidir pedir pareceres a burocratas tão ignorantes da realidade do país que não sabem que a nossa dependência de cereais é tão antiga que até nos levou à conquista de Ceuta, que peça. Mas se todas estas estratégias são admissíveis, pensar que é desejável e possível organizar uma conferência sob o signo do murmúrio ou da verdade controlada não é só uma estupidez, é também como um abuso.

O que receará o Governo com este tapume? Que lhe digam o que não quer ouvir nem pode admitir aos credores internacionais? Mas então, se for esse o receio, talvez fosse melhor contratar papagaios para repetirem a mensagem pré-escrita. Terão os seus convidados medo de dizer o que pensam aos seus concidadãos? Mas, se for esse o caso, por que razão não se fecham nas suas convicções e se dispõem a entrar no jogo do Governo? Afinal, não pediu Carlos Moedas “uma ideia clara do que a sociedade civil pensa” sobre a reforma? Não quer a organizadora da conferência, Sofia Galvão, uma sociedade civil “crítica, exigente e madura”?

Das apologias aos actos houve aqui uma enorme distância, alguma hipocrisia e uma evidente ausência de espírito democrático. A intelectualidade portuguesa, seja a da academia, da administração, das fundações ou das empresas não se tem eximido às suas responsabilidades cívicas e tem dito o que lhe parece ser a verdade e o interesse nacional. O que leva o Governo a temer que os cidadãos saibam o que os presentes na conferência pensam ou dizem é o medo da sua própria insegurança e fragilidade. O que o Governo receia são análises profundas e realistas do que é o Estado e o país. O que o Governo teme é que alguém levante o dedo para dizer que a reforma do Estado tal como o Governo a concebe e deseja é um arquétipo ideológico que ameaça estilhaçar-se ao primeiro choque com a realidade. O que o Governo mostra com esta insegurança em relação ao debate livre e frontal é o pavor de que alguém lhe diga o que já muitos perceberam: que é mais fácil pedir ao FMI para escrever um paper técnico do que inventar uma receita política para uma reforma que se adivinha tão difícil como necessária.

 

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