Tribunal chinês começou a julgar o maior escândalo dos últimos 20 anos
“Sim, o processo já começou”, declarou à AFP Zhang Mi, porta-voz do tribunal da cidade de Hefei (leste). Após a audiência de hoje será organizada uma conferência de imprensa para os media estrangeiros, não admitidos no interior da sala de tribunal, adiantou a mesma fonte.
Gu Kailai, a mulher de Bo Xilai – ex-governador da província de Chongqing caído em desgraça e ex-figura de primeiro plano do partido –, confessou ser responsável pelo assassínio do empresário britânico Neil Heywood.
Advogada internacional de renome, Gu Kailai é acusada de homicídio voluntário. Tal como o marido, a chinesa mantinha laços com o britânico, antes de se desentender com ele acerca de questões financeiras – alegadamente o motivo que esteve por detrás do crime.
Gu Kailai, de 53 anos, é acusada de ter assassinado Neil Heywood por envenenamento num hotel de Chongqing. Era nesta província que o marido de Gu - uma estrela em ascensão do PC chinês - liderava o secretariado do partido, até ser afastado, a 14 de Março, por suspeitas de “envolvimento em graves violações disciplinares”.
Bo Xilai era dado como garantido no Comité Permanente do Politburo, o principal órgão executivo do PC chinês, mas foi suspenso de todas as funções. Pouco depois, Gu Kailai foi acusada de ter mandado envenenar Heywood.
Os dois casos, que se misturam, deram origem a um escândalo quase sem precedentes na China. Gu Kailai foi considerada “altamente suspeita” do assassínio de Heywood devido a “conflitos sobre interesses económicos”. Vários órgãos de informação avançaram com a hipótese de o britânico ter ameaçado revelar os planos de Gu Kailai para depositar no estrangeiro uma grande quantia em dinheiro caso não ficasse com uma parte dessa verba.
As autoridades investigaram a possibilidade de o empresário britânico ter sido envenenado por um dos empregados da família de Bo Xilai, Zhang Xiaojun, que também já foi acusado de homicídio. Esta investigação, bem como a queda política de Bo Xilai, começaram depois de Wang Lijun, chefe da polícia da província de Chongqing, ter pedido asilo no consulado norte-americano em Chengdu, onde chegou com documentos que alegadamente provam a ligação entre Gu Kailai e a morte de Heywood. Estávamos ainda em Fevereiro.
Regresso ao maoísmoBo Xilai não voltou a ser visto em público, mas manterá o apoio de um sector do PC chinês, e as autoridades de Pequim não estarão interessadas em agitar mais as águas deste escândalo político, quando já se aproxima o congresso do partido em que serão escolhidos os novos líderes. Sete dos nove membros que compõem o comité central do partido deverão retirar-se no Outono e do encontro deverá emergir uma nova geração de líderes, de que Bo Xilai já não fará parte.
Enquanto governador de Chongqing, Bo procurou reforçar a intervenção do Estado em várias áreas e preconizou uma espécie de regresso ao maoísmo que iria contra os interesses dos actuais líderes, o Presidente Hu Jintao e o primeiro-ministro Wen Jiabao, mais favoráveis a uma reforma centrada na abertura económica. A sua política de combate ao crime organizado terá também envolvido a perseguição e tortura de adversários políticos.
Na semana passada, a agência estatal chinesa Xinhua noticiou que as provas contra a mulher de Bo Xilai são “substanciais e irrefutáveis”, mas sublinhou que os argumentos de que Gu terá sido levada a assassinar Heywood para proteger o próprio filho, Bo Guagua, poderão levar a alguma complacência. Restam poucas dúvidas de que será considerada culpada, considerou a Reuters, mas a decisão não deverá passar pela pena de morte.
Heywood terá ajudado Bo Guagua a entrar na Universidade de Oxford, no Reino Unido, mas depois entrou em conflito com a família de Bo Xilai. Um dos argumentos da defesa de Gu Kailai é que fez ameaças. Uma pessoa próxima de Gu Kailai, que não foi identificada, adiantou à Reuters que “ela estava convencida de que os rivais políticos do marido iriam assassiná-lo a ele e ao filho”.
As opiniões dividem-se entre quem considera Gu Kailai culpada e quem suspeita de que se trata de um bode expiatório para ocultar as lutas internas do PC chinês. Durante os interrogatórios, Gu manteve-se “cortês” e “relaxada”, segundo o procurador citado pelo South China Morning Post.
O jornal adiantou ainda que a única prova física de que a acusação dispõe é um pedaço de coração de Heywood retirado pelo chefe da polícia de Chongqing antes de o corpo de o empresário britânico ter sido cremado, sem qualquer autópsia.