Vai a Europa conseguir reinventar-se?
Tsipras está eufórico, mas vai bater num muro real chamado Bruxelas. Para já, não há sinais de mudança
O Governo grego está eufórico e tem boas razões para isso. Mais de 60% dos gregos votaram “não” às exigências da troika, ignorando as ameaças de fim de mundo repetidas nos últimos dias. A força do “não” surpreendeu tudo e todos. Foi um “não” de quem já não tem nada a perder, embora saiba que abre a porta a riscos desconhecidos. Foi um “não” sofrido depois de dias inimagináveis na Europa moderna: bancos fechados, lojas e multibancos vazios, farmácias sem medicamentos, uma economia a viver do dinheiro vivo que resta, velhos a chorar na rua.
A euforia de Alexis Tsipras esbarra no entanto num muro real. Tsipras não controla o processo europeu que é colectivo e tem, para além disso, desequilíbrios de poder. A União Europeia não é uma federação na qual cada país tem um voto. Funciona com consensos e, em grande parte, de acordo com as vontades da Alemanha. Não é justo, mas é a Europa que temos.
O primeiro balde de água fria que caiu em cima de Tsipras chegou logo no domingo à tarde, quando o “não” foi dado como vencedor. Angela Merkel anunciou que na segunda-feira vai a Paris jantar com François Hollande. O tema a servir à mesa foi anunciado oficialmente por Berlim: fazer uma “avaliação comum” da situação europeia pós-referendo.
Isto significa duas coisas: que o eixo franco-alemão está a funcionar e que na ressaca do voto grego nada de politicamente significativo deverá acontecer antes do jantar no Eliseu. Merkel, para quem o “não” não pode deixar de ser visto como uma derrota, definiu assim, com um comunicado de um parágrafo, o tempo europeu. Está prevista uma cimeira do Eurogrupo na terça-feira, à qual Merkel e Hollande chegarão provavelmente alinhados para revelar as suas linhas vermelhas. Não é óbvio o que vão dizer – e sobretudo fazer – nas próximas horas. Contra a posição da Grécia está o Leste, que diz ser mais pobre do que a Grécia; o Sul, que teve brutais programas de austeridade; alguns nórdicos, como a Finlândia. Tsipras vai chegar eufórico a Bruxelas, mas não será em 24h que vai fechar um novo acordo. Nem em 48h. É enorme a pressão para se encontrar uma solução – de analistas, observadores, povos inteiros, do ex-director do FMI e de Barack Obama. O “não” grego deveria forçar a Europa a reinventar-se, mas não é certo que isso aconteça.
Até agora, os gregos tinham dito que queriam continuar no euro (70%) e que apoiavam a intransigência de Tsipras (60%). Pareciam vontades inconciliáveis. Este domingo, votaram “não” à austeridade, reforçando a quadratura do círculo. O voto foi forte, mas não sem hesitação. Muitos dos que votaram “sim” disseram “sim” à união com a Europa, sabendo que estavam a dizer “sim” à austeridade que os esmaga. Muitos dos que votaram “não” disseram “não” à troika, sabendo que correm o risco de sair do euro que os esmagará talvez ainda mais. Passados 150 dias, as perguntas continuam todas em aberto: Bruxelas vai aceitar uma extensão das maturidades e uma redução maciça da dívida? Vai ser evitada uma reacção em cadeia? Vai a Grécia conseguir reformar e modernizar o seu Estado?