Estado Islâmico reivindica morte de mais de 30 pessoas em Bruxelas
Forças de segurança envolvidas em operações por toda a Bélgica procuram suspeito filmado pelas câmaras de segurança do aeroporto. “É toda a Europa que é atacada”, diz o Presidente francês.
Ao longo do dia, a Praça da Bolsa foi-se tornando num memorial improvisado. Ao fim da tarde, horas depois dos atentados reivindicados pelo Estado Islâmico que mataram pelo menos 31 pessoas e feriram 250 no aeroporto e no metro da cidade, já havia centenas de pessoas juntas na praça do centro histórico de Bruxelas.
Muitos belgas, alguns turistas, pessoas de todas as nacionalidades que vivem na cidade sede das principais instituições da União Europeia improvisaram cartazes e mensagens em diferentes línguas: “Paz”, “Bruxelles est belle”, “Don’t worry”, “Je suis Bruxelles”. “Bruxelles I love you”, escreveu-se a giz no chão. À noite, enquanto alguns acendiam velas, um jovem tocava violoncelo. “É importante juntarmo-nos em momentos como este. É simbólico, mostra que estamos unidos face ao terrorismo”, disse à AFP Leila Devin, uma comediante de 22 anos.
O primeiro-ministro belga, Charles Michel, e o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, juntaram-se à multidão na Praça da Bolsa. “O que temíamos aconteceu”, dissera Michel. “Neste momento de tragédia, neste momento negro para o nosso país, apelo a toda a gente para manter a calma e também para mostrar solidariedade.”
Ao minuto: o filme dos ataques "cegos, violentos e cobardes"
Eram 8h quando a primeira explosão aconteceu na zona de partidas do aeroporto internacional de Zaventem; alguns segundos depois, uma segunda explosão na mesma zona, antes dos primeiros controlos de bagagens. O tecto de vidro desabou com o abalo. Há testemunhas que dizem ter ouvido disparos antes – para além de uma terceira bomba numa mala, a polícia encontrou uma Kalashnikov abandonada.
“Ajudei a transportar cinco pessoas mortas, com as pernas destruídas”, contou à Reuters Alphonse Youla, de 40 anos, que trabalha no aeroporto e descreve ter ouvido um “senhor gritar em árabe” antes da primeira explosão.
Tinha passado pouco mais de uma hora quando uma bomba explodiu na carruagem do meio de um metro que se preparava para deixar a estação de Maelbeek, perto da Comissão e do Parlamento europeus, na direcção de Arts Loi e do centro da cidade. Há vídeos onde se vêem os passageiros a atravessar a pé o túnel do metro. A explosão foi tão violenta que fez colapsar três paredes de um parque de estacionamento subterrâneo contíguo à estação.
As autoridades divulgaram imagens das câmaras de vigilância do aeroporto onde surgem, lado a lado, três jovens que empurram trolleys com malas. Dois ter-se-ão feito explodir; o terceiro está em fuga e foi pedido que quem o reconheça contacte a polícia federal, que coordena as investigações.
A polícia passou horas a revistar malas no aeroporto, e fez explodir algumas das muitas que as pessoas deixaram para trás no caos da fuga. O aeroporto foi evacuado e encerrado.
Durante algumas horas, todo o sistema de transportes públicos da cidade esteve parado. Só voltou a funcionar a meio da tarde. Foi pedido a toda a gente que evitasse usar as saturadas redes de telemóveis e que se ficasse onde estava, em casa, no emprego, enquanto se apelava aos pais para não irem às escolas buscar os filhos.
Operações em todo o país
“No país inteiro há casas a serem revistadas e pessoas a serem interpeladas”, disse ao início da noite o procurador belga Frédéric van der Leeuw, numa conferência de imprensa ao lado do primeiro-ministro. Pouco depois sabia-se que a polícia encontrava “uma bomba de pregos, produtos químicos e uma bandeira do ISIS” (uma das siglas usada para referir o Daash, o auto-designado Estado Islâmico).
Falta muito para se poder reconstituir o filme dos atentados que a Bélgica esperava e que “agora aconteceram”, nas palavras do primeiro-ministro. “Não tínhamos informações sobre nenhum ataque em particular, mas sabíamos que eles se estão a mexer na Europa, em diferentes países, aqui, em França, na Alemanha”, disse o ministro do Interior, Jan Jambon, afirmando ainda que estes atentados surpreendem pela “escala”.
Crónica: Nunca digas nunca
Comentário: As lágrimas impotentes de Mogherini
Os atentados acontecem quatro dias depois da detenção, na comuna de Molenbeek, em Bruxelas, do principal suspeito que sobreviveu aos atentados de 13 de Novembro, em Paris, Salah Abdeslam, de nacionalidade francesa mas que sempre viveu na Bélgica. Jambon avisara depois que desfazer uma célula terrorista pode “empurrar outra a agir”.
Ninguém acredita que estes ataques tenham acontecido apenas em retaliação pela detenção – seria preciso mais tempo para os preparar – mas admite-se que tenham sido acelerados por receios de que o jovem pudesse pôr as autoridades na pista de outros jihadistas. Segundo o procurador e o seu advogado, ele tem colaborado com os investigadores.
Pode Abdeslam ser a peça central dos ataques a Bruxelas?
As operações na cidade sucediam-se desde há uma semana. O nível de alerta só esta terça-feira voltou a ser elevado para o máximo, que indica uma “ameaça credível e iminente” – é o mesmo que esteve accionado durante alguns dias em Novembro, quando eram procurados vários suspeitos em fuga de Paris; mas desta vez não se limita a Bruxelas, é todo o país que está afectado.
Várias capitais europeias também elevaram os níveis de alerta para ameaça terrorista e mobilizaram forças de segurança nos transportes. Os controlos nas fronteiras terrestres com a Bélgica foram restabelecidos; na fronteira com a Holanda, as filas de carros chegaram a ter dez quilómetros.
“Aliança de cruzados”
As informações confirmadas sobre os ataques são muito poucas. Não foi divulgada a identidade das vítimas, sabe-se apenas que entre os feridos “há muitas nacionalidades” (pelo menos oito são franceses, outros oito norte-americanos), e não há dados sobre os atacantes. As autoridades belgas nem dão como certa a reivindicação dos jihadistas do Estado Islâmico nem admitiram, no imediato, qualquer ligação entre estes ataques e os da capital francesa.
“Uma célula secreta de soldados do califado […] lançou-se em direcção da Bélgica cruzada”, lê-se no comunicado do grupo, onde se acusa o país de não ter “parado de combater o islão e os muçulmanos”. O texto garante que “os alvos foram cuidadosamente seleccionados” e reclama que os ataques fizeram 40 mortos sem dizer nada sobre os atacantes. “Prometemos à aliança de cruzados que viverão dias negros em resposta à sua agressão”, diz-se ainda.
O que é o Estado Islâmico
A Bélgica está entre as dezenas de países que disponibilizaram meios e forças para atacar o Daash na Síria e no Iraque. Em Cuba, o Presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, afirmou que estes atentados mostram a necessidade de “manter o combate da coligação” contra os jihadistas e apelou à “união face aos que ameaçam a segurança dos povos em todo o mundo”.
“É toda a Europa que é atacada”, declarou o Presidente francês, François Hollande. “Enfrentamos uma ameaça global.” O seu primeiro-ministro, Manuel Vals, repetiu aquilo que Hollande disse depois de Paris: “Estamos em guerra. Nos últimos meses temos sido alvo de actos de guerra na Europa.”
Tal como aconteceu com a Al-Qaeda, o Daash começou por recrutar centenas de europeus para combater na Síria e no Iraque, mas consegue mobilizar, ao mesmo tempo, cidadãos nascidos na Europa para atacar nos seus países. A marca mantém-se: ataques simultâneos e pensados para atingir qualquer pessoa. Como em Madrid, em 2004, ou Londres, um ano depois, o alvo voltam a ser os transportes públicos. “Hoje é a Bélgica, mas o mesmo pode acontecer noutros sítios”, diz Thomas Hegghammer, analista do Instituto de Investigação em Defesa Norueguês. “Acima de tudo, não podemos pensar que é um problema belga.”
Ao início da noite, enquanto a Praça de Bolsa de Bruxelas se enchia, os principais monumentos de Paris, Roma ou Berlim eram iluminados com as cores da bandeira belga. Na Bélgica foram declarados três dias de luto nacional e o Governo convidou a população a cumprir um minuto de silêncio esta quarta-feira às 12h.
Reportagem: “Amanhã o plano é voltar a apanhar o metro. Se estiver fechado, vou de bicicleta”