Nunca digas nunca
Crónica de um português que vive na Bélgica.
“Nunca digas nunca.” Aprendi com os meus pais esse provérbio que assentou na minha vida como uma luva, não muito diferente daquela que hoje me protege do frio no Inverno belga.
“Antuérpia é a cidade mais feia que vi até hoje.” Foi desta forma que expressei o que os meus sentidos me diziam aquando de uma breve passagem pela cidade dos diamantes.
Mas o destino tinha algo preparado para mim, e dois anos depois fui viver para a maior cidade da Flandres. Nela, diziam, falava-se mais de 99 línguas e dialectos, e havia uma enorme diversidade cultural, artística e de diferentes credos.
Enquanto outros colegas de trabalho procuraram o lado mais in de Antuérpia, no Sul, eu decidi assentar no Norte, em Borgerhout — também conhecido como Borgeroco devido à vasta população marroquina.
Muçulmano que sou, apesar de nascido no Moçambique português e criado em Portugal, fui à procura dos recantos que me ofereciam um pouco da cultura que me completa.
A proximidade da comida halal e os locais de culto foram os factores determinantes. “Como consegues viver nessa zona?”, perguntavam-me os meus colegas. E eu respondia: “Da mesma forma que tu convives comigo, sem preconceitos e sem medo.”
Sentia-me seguro, tanto no Norte como no Sul. A mesma cidade que eu tinha achado feia deu-me uma verdadeira lição de integração e de tolerância.
As explosões desta manhã em Bruxelas tocaram fundo em vários corações — no meu, no dos belgas e no da Europa, que vê a sua capital atacada de forma brutal, e no daquela maioria, muçulmanos ou não muçulmanos, que está do lado do bem.
Milhares de pessoas como tu e como eu partiam para mais um dia de trabalho quando as vidas de alguns se extinguiram para sempre num breve momento. Muitos outros vivem agora rodeados de medidas de segurança, enquanto os seus filhos esperam a hora certa para voltarem a casa.
Os belgas que aprendi a conhecer e a ver tão relaxados, apesar de terem sido dos povos mais invadidos neste mundo, estão agora apreensivos. Contra este mal não parece haver cura iminente, e o vírus continua a espalhar-se.
O meu receio não é só o das explosões, mas também das bombas que vão caindo das bocas daqueles que tanto têm de vítimas como de ignorantes. O receio do que os meus filhos possam ouvir na escola, o impacto do que isso possa ter na vida deles — os meus filhos, ainda mais do que eu, cidadãos europeus.
A raiz de uma oliveira nunca dará um cacto, portanto a raiz do Islam (salam — paz) não pode resultar em guerra.
Responsável Comunicações Internas de TI na Opel Europa