Bem-vindos ao Troloceno

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Na imagem que acompanha esta crónica vemos um cartoon em que os países da zona euro são representados como porcos numa União Europeia dominada pelos gays e lésbicas (note-se a bandeira LGBT junto à muralha). Mais de metade da imagem é ocupada por um urso que exercita os seus músculos e representa a Rússia (cujo mapa orgulhosamente ostentado na t-shirt inclui, como é óbvio, a península da Crimeia). No cantinho à direita, para o observador atento, encontramos o Kremlin, uma bandeira da Rússia e discretíssimo mas evidente míssil que se levanta do solo.

Este cartoon apareceu na Internet durante o fim-de-semana, embora eu ignore se ele não é mais antigo. Por incrível que pareça, não foi publicado por um dos apologistas pró-Putin que pulula na Internet, nem pelos canais de propaganda da Agência Sputnik ou da Russia Today. Com a sua indesmentível mensagem bélica — além de homofóbica, claro —, este cartoon foi publicado nem mais nem menos do que pela conta oficial da Embaixada da Federação Russa no Reino Unido.

Que tal demonstração de desdém pela linguagem diplomática tenha sido publicado por um canal oficial de um membro permanente do Conselho de Segurança da ONU diz-nos muito do que precisamos saber sobre o nosso tempo. Vivemos numa cultura política internacional cada vez mais cooptada pelas atitudes das caixas de comentários da Internet. Esta nova era precisa de um novo nome: chamemos-lhe o Troloceno.

Para quem não conhece, o troll é aquela figura da Internet cuja principal ocupação é desestabilizar um adversário. O objectivo de um troll (trolar, na linguagem da net) não é participar de um debate mas usar as regras do debate para minar o próprio debate, afastar as pessoas mais razoáveis, criar confusão, desconversar e no fim do processo vitimizar-se se for denunciado. Não precisamos de nos demorar na etiologia ou na sintomática do troll. Como disse um juiz do Supremo americano sobre outro assunto, sabemos que se trata de um troll quando estamos perante um troll.

A Rússia de Putin pode ser o primeiro estado-troll (há suspeitas fundadas de que usa comentadores assalariados ou automáticos na Internet, e os seus canais de media usam de forma cada vez mais indistinguível essa mesma linguagem) mas o Troloceno como nova era política é mais amplo. Nos EUA, os últimos meses têm sido dominados pela ascensão do movimento “alt-right”, um fenómeno típico das catacumbas da Internet da direita racista que agora está na direção da campanha de Trump. O objetivo da alt-right é normalizar o racismo, a islamofobia e o anti-semitismo. Tudo vale, mas um dos divertimentos preferidos da alt-right é mandar aos seus adversários fotografias dos filhos destes em montagens com câmaras de gás nazis. Às vezes o círculo completa-se, como no caso infeliz da Wikileaks que decidiu reagir a uma capa da revista Economist sobre Putin alegando que a publicação era controlada por uma sócia minoritária — que se distinguia por ter nome judeu. Os gays, os judeus, os refugiados muçulmanos e os malvados dos “cosmopolitas desenraizados”, como lhes chamava Estaline, são de novo os grande adversários desta gente.

Tal como não há uma só sintomática do troll, não há uma única forma de combater a chegada do Troloceno. Mas o primeiro passo é certamente o mais importante: reconhecer e identificar o problema.

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