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Kuwait, o “planeta” ultra-rico onde tudo parece “muito, muito falso”
No Kuwait, o fotógrafo Gabriele Cecconi achou-se noutro planeta — um lugar profundamente artificial onde reinam a opulência, o consumismo e a tradição secular.
O Kuwait é um país de características singulares. Apesar de ter apenas um quinto da área de Portugal continental, o seu subsolo é berço da sétima maior reserva mundial de petróleo — o que o torna um dos estados mais ricos de todo o planeta. O Kuwait regista algumas das temperaturas mais altas do globo, superado apenas pelo Vale da Morte: lá quase não chove, há menos de 1% de terra arável e quase a totalidade da água potável consumida pelos quatro milhões de habitantes, dos quais apenas 1,3 milhões são cidadãos kuwaitianos, resulta de processos de dessalinização da água do mar.
Em 2019, apenas sete meses após ter abandonado o cenário de caos e pobreza que caracteriza o campo de refugiados Cox Bazar, no Bangladesh, onde também desenvolveu trabalho documental, o fotógrafo italiano Gabriele Cecconi aterrou, pela primeira vez, no pequeno país árabe e ficou "chocado" com o que viu. "Tinha estado num lugar onde muitas pessoas estavam a sofrer e, de repente, estava rodeado de riqueza num sítio onde tudo me parecia muito, muito falso", explicou o fotógrafo na visita guiada à exposição, que esteve patente até 25 de Junho no Art_Inkubator, em Lodz, Polónia, ao abrigo do Fotofestiwal. "Senti que estava noutro mundo, num outro planeta."
Foi, assim, a partir desta sensação de choque que o italiano desenvolveu o projecto TiàWùK (Kuwait escrito ao contrário), que descreve na sinopse como uma "viagem a outro planeta" — um lugar profundamente artificial onde a tensão que se forma a partir da colisão entre os valores do capitalismo (do consumismo) e da tradição muçulmana se torna palpável. Juntamente com "alguns tipos kuwaitianos", Cecconi criou um conceito que denominou de "fantasia económica", que descreve como "a ilusão de que o nosso vazio interior pode ser compensado com a compra de coisas e com a projecção da sua posse para o mundo exterior".
No Kuwait, o fotógrafo natural de Perugia conheceu pessoas "muito ricas", "pessoas que têm dinheiro para satisfazerem todas as suas fantasias e isso é diferente de tudo o que já tinha visto", observa. "Na Europa, também podemos considerar-nos ricos, não nos podemos queixar, mas aqui estamos diante de um outro nível de riqueza. Algumas daquelas pessoas podem decidir, de um dia para o outro, construir uma casa em ouro maciço porque estão simplesmente entediadas e conseguirão fazê-lo. Essa capacidade é um elemento chave no modo como essas pessoas se relacionam com o mundo." E também como moldam o que as rodeia.
Embora seja considerado um dos estados mais avançados da Ásia Ocidental no que toca a igualdade de género (as mulheres podem votar desde 2006) e a taxas de literacia, grande parte da população, aproximadamente 70%, é composta por trabalhadores de origem sul-asiática que têm em comum o facto de trabalharem a troco de baixos salários e, não raramente, em situação de vulnerabilidade.
Cecconi conta, durante a visita guiada, alguns exemplos de situações que viveu no país que o deixaram perplexo. "Quando eu era mais jovem, sonhava ter uma casa com um jardim para poder ter um cão ou um gato. Nesta parte do mundo, as pessoas sonham ter um leão ou uma chita." E muitas, apesar de ser ilegal no país, têm efectivamente este tipo de animais selvagens no interior de suas casas, porque tê-los transmite uma mensagem de riqueza e poder para o mundo exterior. "Eu estive numa sala de estar a beber café turco na companhia de duas chitas, é algo que nunca vou esquecer."
O fotógrafo dá outro exemplo: "Quando me deparei com aquele cenário não conseguia entender o que se passava ali: havia carros estacionados que estavam dentro de enormes bolhas de plástico." Alguém explicou a Cecconi que essa película servia para proteger os carros da areia, uma vez que esses sofrem danos nos vidros, na pintura e nos componentes mecânicos quando simplesmente são deixados expostos aos elementos.
Numa das imagens do projecto, uma cáfila aguarda o tiro de partida. "As corridas de camelos são uma velha tradição no país", explica o fotógrafo. "Antigamente, eram crianças que conduziam os camelos, mas tornou-se ilegal porque, muitas vezes, elas morriam. Então começaram a usar robôs." A corrida é muito longa, tem cerca de quatro quilómetros. "Os donos dos camelos seguem-nos ao longo do percurso e, com recurso a um telecomando, dão orde aos robôs para que chicoteiem os animais."
A obsessão pelo aspecto físico é também uma das características apontadas por Gabriele Cecconi. "Existe uma verdadeira neurose no que diz respeito a ginásios no Kuwait. Eles têm os maiores e mais avançados ginásios do mundo." O mesmo acontece com a cirurgia plástica, refere. "E seguem muito os padrões de beleza do mundo ocidental. São, por exemplo, obcecados com a estética neoclássica italiana." Numa das imagens figura um centro hípico que é uma réplica do Coliseu de Roma.
Com o projecto, que foi publicado na revista National Geographic internacional em Junho de 2022, Cecconi usa o Kuwait como exemplo para chamar a atenção para o consumismo, que está na base do sistema capitalista que prevalece em quase todas as sociedades. "É o nosso mundo interior que dá origem à realidade, não o contrário", alerta.
Existe, na opinião do fotógrafo, um paradoxo sobre o qual está assente o consumismo: consumimos para preencher um vazio, mas quem somos se deixarmos de consumir? "Julgamos que ao comprar coisas estamos a fazer algo no sentido de compensar a nossa confusão mental. Mas não estamos." Para o italiano, já premiado nos concursos Visa pour l'Image e POY, o autoconhecimento deve estar desligado do consumo. "Só assim poderemos cuidar de nós mesmos e termos uma relação equilibrada com o meio ambiente."