Tóquio 2020
Os gestos de protesto foram aos Jogos e chegaram ao pódio olímpico
Antes mesmo do apito inicial, atletas ajoelharam-se. Depois da reversão de uma decisão de manter protestos fora das fotografias oficiais de Tóquio 2020, o combate ao racismo e outros gestos de protesto e demonstrações de solidariedade entrariam assim a jogo, mas teriam de ficar fora do pódio, lembravam as regras.
Até que no domingo, 1 de Agosto, Raven Saunders pôs a medalha de prata ao pescoço e, em frente às câmaras, ergueu os braços e cruzou-os em forma de X. O comité internacional está a avaliar o gesto feito pela atleta norte-americana de lançamento de peso, depois de avisar que as cerimónias “não são feitas para demonstrações, políticas ou outras”. A atleta, que competiu em Tóquio com uma máscara a imitar a personagem de banda desenhada Hulk, o seu alter-ego, não se inibiu de explicar que o gesto tinha claramente um propósito: “X é um lugar, é a intersecção onde todas as pessoas que são oprimidas se encontram. Eu represento algumas dessas comunidades, por isso queria muito utilizar a minha plataforma para defender toda a gente”.
Apesar dos desejos da organização e do comité olímpico de manter “opiniões pessoais” longe da competição, vários atletas não se têm ficado pela celebração das conquistas desportivas.
Race Imboden, esgrimista norte-americano, recebeu a medalha de bronze com um "X" desenhado na mão — e, embora não tenha comentado o símbolo, partilhou no Instagram o gesto de Raven Saunders. Antes do jogo contra a Nova Zelândia, as jogadoras da selecção de futebol australiana posaram com uma bandeira aborígene australiana, uma das bandeiras oficiais do país. Nike Lorenz, da selecção de hóquei feminina, joga com uma bandeira da Alemanha numa das meias e com a bandeira LGBTQI+ na outra, um exemplo de que os atletas, que há muito se mobilizam e angariam fundos para diversas causas, também querem protestar no desporto.
“Dei tudo por isto. Se és uma pessoa negra, LGBTQIA+ ou estás a lutar psicologicamente, esta medalha é para ti”, escreveu Raven "Hulk" Saunders, no Instagram. Não são claras quais as possíveis represálias que a atleta de 25 anos poderá vir a sofrer. “Acho mesmo que a minha geração não quer saber”, desvalorizou Saunders, que depois de se estrear nos Jogos Olímpicos de 2016, no Rio de Janeiro, se debateu com uma crise de saúde mental e chegou a dizer em entrevistas que, também por causa das pressões e expectativas associadas à alta competição, pensou em tirar a sua própria vida em 2018.
A saúde mental, dos atletas de alta competição e não só, é uma das principais histórias destes Jogos Olímpicos, depois da superestrela da comitiva de ginástica norte-americana Simone Biles se retirar de várias finais para priorizar o seu bem-estar.