Fotografia

“Eu tenho um pai e um papá”: retratos de famílias de pais gays

O fotógrafo belga Bart Heynen é um pai gay de dois filhos gémeos e dedicou os últimos anos ao projecto e fotolivro Dads, que retrata famílias como a sua. “Todas as pessoas deveriam ter o direito de começar uma família, independentemente da sua orientação sexual.”

Eu e o Rob com o Ethan e o Noah, às 6:30 da manhã, em Antuérpia, Bélgica. ©Bart Heynen
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Eu e o Rob com o Ethan e o Noah, às 6:30 da manhã, em Antuérpia, Bélgica. ©Bart Heynen

O fotógrafo Bart Heynen não esquece o dia em que um amigo do seu filho lhe perguntou: “Onde está a tua mamã?” O filho de Bart respondeu ao amigo, com naturalidade: “Eu tenho um pai e um papá.” Naquele momento, Bart “congelou”. “De certa forma, aquele foi o coming out do meu filho”, refere no fotolivro de sua autoria, Dads, que reúne retratos de mais de 40 famílias com uma característica comum: ambos os pais são homens.

Os retratos têm como objectivo dar a conhecer a vida destas famílias, tão únicas quanto parecidas – ou seja, todas as famílias têm as suas próprias características (tamanho, cor, credo), mas o seu funcionamento, dinâmica, função, são, por vezes, muito parecidos, independentemente da orientação sexual dos seus elementos.

Como a maioria dos pais que são gays, Bart foi criado por uma família de pais heterossexuais, na Bélgica. Hoje, em Nova Iorque, o fotógrafo é casado com Rob e tem dois filhos gémeos, Ethan e Noah. Foi desde que se mudou para a Big Apple que deu início a esta série de retratos. Conhecer outros pais gays com filhos foi importante para si e para os seus filhos que, assim, tiveram oportunidade de conhecer outras famílias parecidas com a sua. Muitas vezes, para quebrar o gelo, Bart levou os filhos quando ia fotografar para Dads. “Ser também um pai gay ajudou as famílias a abrir as portas de suas casas”, explicou ao P3, em entrevista. Conheceu famílias de dois pais casados, de pais solteiros, de diferentes religiões, raças e contextos socioeconómicos. E, garante, muitas amizades nasceram destas sessões fotográficas – o que foi importante no momento de conhecer as histórias de cada família.

Em entrevista, destaca a história de Eliot e Matthew, casal que retratou em Omaha, Nebraska. “O amor e o calor que senti na sala foi muito reconfortante”, descreve. Eliot e Matthew não tinham recursos financeiros para recorrer à gestação de substituição e não queriam adoptar, por isso tiveram de ser criativos. “Comprar um óvulo de alguém desconhecido parecia algo frio, quase empresarial”, descreve Eliot. Um dia, durante um brunch, Eliot desabafou com a irmã. “Ela disse imediatamente que poderia doar os óvulos. E eu adorei a ideia.” A criança teria, assim, uma ligação genética com Elliot e Matthew, que seria o dador de esperma.

“Agora só precisávamos de encontrar uma mulher que pudesse gerar o nosso filho.” Durante um jantar de família, o casal abordou o tema e a mãe de Matthew, na altura com 60 anos, ofereceu-se para assumir o papel de gestante. “Nós rimo-nos carinhosamente do gesto irrealista. Estava na menopausa há mais de dez anos, não podia ter um bebé. Ou podia?” Afinal podia. “Partilhámos a ideia com o nosso médico especialista em fertilização in vitro. O Matthew riu-se, mas o médico não.” A mãe de Matthew e sogra de Eliot tornar-se-ia numa das gestantes de substituição mais velha do mundo. A filha de ambos, Uma Louise, nascia depois de 38 semanas de gestação. “Ali estava ela, a nossa pequena ideia, a nossa história de amor em forma de gente.”

Devon, outro dos homens retratados pelo fotógrafo belga, é gay e pai solteiro de duas crianças. “Porque cresci num ambiente mormon, a única opção disponível era ser pai através de um casamento heterossexual”, refere nas páginas do livro. “E foi o que fiz. Mas à medida que me tornava mais consciente de mim mesmo, comecei a ficar dividido entre a minha religião e a minha atracção por homens. Comecei a abandonar a ideia de que a minha sexualidade era um pecado e comecei a aceitar e a abraçar a minha identidade.” O divórcio com a mãe dos filhos já aconteceu há seis anos. Hoje partilha a guarda parental com a ex-esposa e o companheiro. “Os meus filhos têm mais pessoas incríveis à sua volta que os amam e cuidam, e eu não sinto quaisquer arrependimentos no que toca a pertencer abertamente à comunidade LGBTQ+”, conclui.

Na opinião do fotógrafo, o facto de um casal gay não poder reproduzir-se sem recorrer a terceiros não é um “problema”, mas sim “uma bênção”. E justifica. “As dadoras de óvulos e as gestantes são instrumentais na criação das nossas famílias. Elas têm, não raramente, um relacionamento duradouro e muito valioso com os pais e com as crianças.” E dá o exemplo de Elio Baez-Esthersohn, um rapaz de 17 anos, filho de dois homens hoje divorciados. “Os meus pais disseram-me sempre que a minha existência era um milagre para eles, porque, até ao início do ano 2000, era irrealista para um casal gay ter um filho que tivesse os genes de um deles.” Elio foi concebido através de uma gestante de substituição, algo ilegal no estado de Nova Iorque até 2002. “Os meus pais mudaram-se para a Califórnia durante nove meses e regressaram a casa quando eu nasci.” Alix, a dadora do óvulo, quis conhecer Elio quando este tinha seis anos. "Ela queria conhecer-nos melhor e ter connosco uma relação de qualquer tipo", explica Elio. Os pais concordaram. "Nos últimos 11 anos, a minha família tornou-se muito próxima de Alix. Dois dias depois de eu fazer 14 anos, a Alix teve a minha meia-irmã, a Bowie. Considero-as parte da minha família."

Elio soube, desde criança, que os pais eram homossexuais. “E isso era só normal para mim, mesmo que os outros nos julgassem por sermos diferentes. Sempre fui transparente relativamente ao facto de ter dois pais e acho que isso não muda nada. A única diferença que existe de outra família qualquer é a sua preferência sexual.” Os pais de Elio são, nas palavras do próprio, “inteligentes e carinhosos”. “O meu pai Pieter é fotógrafo e o meu pai Raul é enfermeiro.” Enquanto crescia, os pais transmitiram a Elio valores importantes: “comunidade, criatividade, educação, tolerância”.

Uma das coisas que mais impressionou o fotógrafo durante as sessões foi perceber que, em ambiente doméstico havia uma relação de cooperação e de igualdade que não costuma observar noutras famílias. "A divisão do trabalho era muito equilibrada", refere. "E faz sentido porque não existem os tradicionais papéis de género que servem de exemplo." Na maior parte das vezes, refere, "ninguém tem um papel específico e todas as tarefas relacionadas com os filhos são intermutáveis". Bart observou também que alguns dos casais que retratou não seguiam modelos tradicionais de educação. "É o caso de Eli e David, que criam os filhos com o envolvimento e participação de todos os amigos gays", refere. "Alargou os meus horizontes."

Nos Estados Unidos, desde que o casamento homossexual se tornou legal, em 2015, “houve um baby boom na comunidade gay”, refere Bart Heynen. “Através de adopção ou doação de óvulos, os casais hoje podem realizar o sonho de começar uma família.” Mas nem todos os países permitem a realização desse sonho. “Infelizmente, para muitos homens e mulheres homossexuais do mundo criar uma família é menos provável do que ganhar a lotaria. Na melhor das hipóteses, várias gerações irão viver antes de haver, globalmente, direitos iguais para todos.” O fotógrafo lembra que 70 países membros das Nações Unidas têm ainda inscrito nas suas leis que qualquer interacção de natureza sexual consentida entre dois elementos do mesmo sexo é crime. “E em alguns deles é punível com a morte”, sublinha.

Viver em Nova Iorque, um lugar onde existe mais tolerância, foi importante para Elio e para Bart Heynen. “Hoje em dia, eu e o meu marido deixamos os nossos filhos na escola e sentimos pertencer a uma comunidade – não apenas à comunidade LGBTQ+, mas a uma onde a orientação sexual não é uma característica relevante. Isso faz-me sentir em casa. Uma casa onde o coming out deixou de existir.” Para o fotógrafo, "todas as pessoas deveriam ter o direito de começar uma família, independentemente da orientação sexual”. E termina com uma frase do actor, dramaturgo e guionista americano Harvey Fierstein: “O amor, o compromisso e a família não são experiências heterossexuais, não são palavras heterossexuais, são humanas e pertencem a todos.” Dads, da powerHouse books, está disponível no site da editora a partir de 29 de Junho.

Harrison e Christopher com a sua filha Genhi, em Brooklyn, Nova Iorque, EUA.
Harrison e Christopher com a sua filha Genhi, em Brooklyn, Nova Iorque, EUA. ©Bart Heynen
Glenn com a sua família a conversar com os vizinhos, em Brooklyn, Nova Iorque, EUA.
Glenn com a sua família a conversar com os vizinhos, em Brooklyn, Nova Iorque, EUA. ©Bart Heynen
Dimitry e Robert com Maxim e Mila, Nova Iorque, EUA.
Dimitry e Robert com Maxim e Mila, Nova Iorque, EUA. ©Bart Heynen
Jonathan e Eric com a família durante o Shabbat. Brooklyn, Nova Iorque, EUA.
Jonathan e Eric com a família durante o Shabbat. Brooklyn, Nova Iorque, EUA. ©Bart Heynen
Johnny com o seu marido e filhos, em Totowa, Nova Jérsia, EUA.
Johnny com o seu marido e filhos, em Totowa, Nova Jérsia, EUA. ©Bart Heynen
Dennis penteia o cabelo do filho Elan, em Brooklyn, Nova Iorque, EUA.
Dennis penteia o cabelo do filho Elan, em Brooklyn, Nova Iorque, EUA. ©Bart Heynen
Milo com os seus pais e irmã. Nova Iorque, EUA.
Milo com os seus pais e irmã. Nova Iorque, EUA. ©Bart Heynen
Vernon e Ricardo com as suas filhas gémeas, na sua casa em Clinton, Maryland, EUA.
Vernon e Ricardo com as suas filhas gémeas, na sua casa em Clinton, Maryland, EUA. ©Bart Heynen
Txema e Pablo e o seu filho recém-nascido na manhã do seu nascimento. Monticello Minnesota, EUA.
Txema e Pablo e o seu filho recém-nascido na manhã do seu nascimento. Monticello Minnesota, EUA. ©Bart Heynen
Capa do fotolivro "Dads" de Bart Heynen, editado pela powerHouse Books.
Capa do fotolivro "Dads" de Bart Heynen, editado pela powerHouse Books.