Fotografia
Crianças refugiadas fotografaram o “inferno” onde vivem, às portas da Europa
Ali. Anita. Arsalan. Barry. Benjamin. Daryos. Elahe. Elliot. Girgis. Hamid. Issiaga. Leandrine. Mahdi. Mahdi, Mamadow. Marzia. Milad. Mobina. Nahe. Neghar. Omid. Rostam. Sadegh. Sajad. Saman. Samaneh. Sarwar. Zahra. Zeynab. Têm nome. Têm rosto. Têm entre 12 e 17 anos. Nasceram à hora certa no local errado — um país ou cidade onde, invariavelmente, predomina a pobreza, a opressão ou a guerra. Tiveram de atravessar fronteiras para encontrar casa naquele que é considerado um dos piores campos de refugiados da Europa. Fica na ilha de Samos, na Grécia, e foi construído para acolher 650 refugiados. Hoje, no mesmo campo, vivem mais de quatro mil — mais de mil são crianças — em condições consideradas “terríveis” pela organização não-governamental Still I Rise, que dá apoio às crianças e aos jovens que aí residem.
O que distingue os 28 menores dos restantes refugiados do centro de acolhimento de Samos? Nas mãos carregaram, durante dez dias, uma ferramenta que tem sido utilizada para denunciar, internacionalmente, as condições de vida em que vivem. O projecto fotográfico a que deram corpo, Through Our Eyes, promovido pela associação Still I Rise, já chegou a vários jornais gregos e italianos – e, mais recentemente, ao The Guardian.
“A ideia passa por dar a possibilidade aos jovens de mostrar a sua vida através de imagens”, conta, ao P3, Nicoletta Novara, professora de fotografia da escola da organização não-governamental. Para isso, deu aos jovens câmaras descartáveis da Kodak, cada uma com 39 fotogramas. “Pedi-lhes que me mostrassem a sua vida fora do ambiente das aulas e que tirassem fotografias que tivessem significado para eles.” O resultado ficou muito além do que esperava. Apesar de Nicoletta lhes ter dado formação na área da fotografia — sobre história, técnica e edição fotográfica — ficou surpreendida com o “poder” das imagens e a “intimidade” nelas expressa. “Pela primeira vez, eles tiveram a oportunidade de mostrar o quão terrível é a sua vida dentro deste campo de refugiados. Eles querem que as pessoas conheçam este inferno. Os alunos esperam que tudo isto tenha impacto e possa trazer mudanças na situação que vivem em Samos.”
As legendas das cerca de 200 imagens que compõem o projecto, e a realidade que enquadram, revelam os desafios diários destes jovens. “Elas mostram-nos as pilhas de lixo encharcadas que permanecem ao lado dos contentores quando há chuvas, mas também os quartos esquálidos, danificados, onde os estudantes habitam e que tentam tornar mais habitáveis ao colocar umas luzes coloridas.” Ratos e ratazanas, policiados por centenas de gatos que coabitam com os requerentes de asilo, estão por todos os cantos da estrutura da Organização das Nações Unidas. Nas imagens vêem-se ainda as intermináveis filas para refeições, que a organização considera “terríveis”, assim como a infinita espera, às vezes de 14 horas, para consultas médicas. No entanto, “os alunos também trouxeram imagens de esperança”, ressalva a organização. “Imagens do mar, das montanhas, das árvores que encontraram enquanto exploravam a ilha. Imagens que mostram o seu entusiasmo ao descobrir a Europa e a sua cultura.”
Through Our Eyes é um “work in progress”, esclarece Nicoletta. “Muito brevemente, teremos outro grupo de imagens. Outras fotos, outras vozes, outros olhos.” A professora considera fulcral que o projecto se mantenha visível. “Já chegou a vários jornais internacionais, políticos, activistas dos direitos humanos. É através dele, em conjunto com as acções legais, que impulsionamos o trabalho de campo que desenvolvemos em Samos e temos conseguido dar passos muito concretos no sentido de colocar um termo à violação de direitos humanos básicos dos requerentes de asilo que se verificam às portas da Europa.”