Fotografia
Um retrato do “último sopro de Trás-os-Montes”
"Daqui a uns dez ou 20 anos, a população destas aldeias ter-se-á finado", constata Ricardo Ramos. "Eu estou a documentar o último sopro de Trás-os-Montes." O Inverno aproxima-se e com ele os dias de reclusão dos idosos que habitam as aldeias do concelho de Valpaços. É sobretudo nesse período que os idosos são visitados por pessoas que fazer parte de um projecto de acompanhamento a idosos, grupo que Ricardo integra. "Somos muitas vezes as únicas pessoas que eles vêem ao longo de uma semana", explica o fotógrafo amador, que é também técnico de apoio social. "Os idosos ocupam o tempo a ver um dos quatro canais de televisão de que dispõem. Não têm Internet, não têm telemóvel."
Maria vive numa aldeia com 15 habitantes. Tem 75 anos e perdeu o marido recentemente. "Os cães são a sua única companhia", descreve Ricardo, em entrevista telefónica ao P3. "Eles ajudam-na a superar a solidão."
Marcelino era um jovem bonito quando partiu a salto para França. "Amealhou uma pequena fortuna, ao longo da vida, mas o destino quis que regressasse sem nada", explica o fotógrafo. Hoje vive na casa que pertenceu à sua mãe, numa aldeia que tem cerca de 30 moradores. "Hoje, diz que é feliz sozinho."
Alice tem 92 anos e vive numa aldeia com dez habitantes. "No Inverno, ela fica presa dentro de casa, o que a faz sentir muito só." O seu marido morreu jovem. "Criou oito filhos sozinha. Conta-me histórias incríveis, eu podia falar com ela durante horas."
Gracinda perdeu quase toda a família num acidente. "Os santos ajudam-me a manter-me viva (...) Se não fosse por eles, já teria cometido suicídio", contou a idosa a Ricardo, enquanto lhe mostrava uma enorme colecção de pequenas estátuas sagradas.
Como se sabe, as aldeias de Portugal estão a perder população. Ricardo Ramos, natural de Valpaços, tem como objectivo documentar uma realidade na iminência da extinção. "Pretendo, com o projecto, sensibilizar as pessoas para o flagelo da solidão na terceira idade e para o problema do despovoamento do interior do país." O trabalho do transmontano pode ser acompanhado através da sua conta de Instagram.
Artigo alterado às 16h50 de 9 de Novembro. Foram corrigidos nomes e modificados alguns pormenores para preservar os retratados, a pedido do autor.