Grace enfrentou a lei e a cannabis ganhou

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"Grace nunca foi um bebé normal”, disse a sua mãe, Mayela Elizalde, ao Washington Post, em 2015. “Parecia ter problemas de audição e chorava intensamente e por períodos muito extensos.” Ao longo do tempo, as dificuldades de desenvolvimento da menina mexicana tornaram-se evidentes e aquilo que a mãe mais temia acabou por confirmar-se: Grace não era, nem seria nunca, uma menina como as outras. A síndrome (epiléptica) de Lennox-Gastaut não o permitiria. Aos oito anos, Grace sofria uma crise de epilepsia por hora. Para os pais, a aproximação de um ataque rapidamente se tornou reconhecível: a menina esfrega as mãos, baixa a cabeça. O dedilhar frenético e a rigidez dos membros superiores e inferiores denunciam a interrupção dos sinais eléctricos cerebrais que controlam as funções, os sentidos e os pensamentos de Grace. Os olhos castanhos dançam espasticamente. Entre cada “grande terramoto cerebral”, a criança sofria centenas de pequenas convulsões que, ao longo do dia, drenavam a sua energia e atenção.

 

Durante oito anos, foram 19 as terapêuticas testadas pela pequena paciente. Os efeitos primários de cada uma revelaram-se deficitários. Os efeitos secundários, diversos e incómodos: perda de visão periférica, hipersalivação. Consultaram dezenas de neurologistas, ortopedistas, gastroenterologistas, oftalmologistas, geneticistas. Homeopatas, acupunctores. Nenhum tratamento se provou eficaz. “O desenvolvimento da menina tornou-se impossível, perante a frequência dos ataques epilépticos”, disse o chefe do departamento de Neurociência do Instituto Nacional de Perinatalogia do México ao jornal norte-americano. “No seu caso, todas as opções de tratamento se extinguiram.” Todas, excepto uma. Grace e a família vivem em Monterrey, a maior cidade do estado mexicano de Nuevo León, no nordeste do país, perto da fronteira com o Texas. Em alguns estados do país vizinho, é legal a venda de medicamentos, preparações e substâncias à base de cannabis, para fins medicinais.

 

Valeria a pena atravessar o Texas e o Novo México em direcção ao estado do Colorado, onde essa venda é possível? Não constituiria um esforço extraordinário para os pais de Grace, Raul e Mayela, se da viagem resultasse uma melhoria significativa do estado de saúde da criança? Ponderaram fazê-lo ilegalmente, por estarem seguros de que o resultado dessa expedição seria frutífero. Tinham conhecimento de casos semelhantes ao de Grace em que a resposta à toma do óleo canabinóide tinha sido benéfica. Mas decidiram-se pela via legal, na esperança de abrir caminho a outros doentes com o mesmo tipo de doença. “Se nos impedirem, fá-lo-ei”, admitiu Raul ao diário norte-americano. “Mas queremos fazer tudo de forma correcta e legal.”

 

A jornada dos pais de Grace foi extensa, trabalhosa e esteve sempre envolta em polémica. O artigo do Washington Post reverberou nos media mexicanos e multiplicaram-se artigos e reportagens sobre o caso #PorGrace no México. Em 2016, Mayela criou a fundação Por Grace, onde se agregou uma numerosa comunidade disposta a lutar pela legalização do uso medicinal de cannabis. O primeiro pedido de importação de óleo canabinóide para o tratamento da menina foi dirigido ao Ministério da Saúde mexicano em Junho de 2015. A resposta foi contundente: “Não existem estudos conclusivos que comprovem a eficácia de substâncias canabinóides no tratamento da epilepsia.” Os advogados da famíla decidiram, então, levar o caso a tribunal, onde obtiveram a pequena e importante vitória de conseguir, para Grace, um regime de excepção à lei que permitiria dar início ao tratamento. A menina tornou-se, assim, na primeira paciente mexicana a ter acesso a um medicamento à base de cannabis.

 

Três meses após o início do tratamento com o óleo canabinóide, os episódios de convulsão diminuíram em 50 por cento. Mayela afirmou então que a filha se tornou mais responsiva a estímulos, que passou a conseguir dormir uma noite inteira, sem interrupções, que já interage com a irmã e consegue manter-se sentada por períodos superiores a 20 minutos. “Não tem crises matinais. Na escola, regista progressos. Esperamos que um dia comece a caminhar ou a falar, embora tenhamos consciência de que o caso dela é delicado.”Outros pacientes e outras famílias, porém, teriam de lutar, nos tribunais, pelo mesmo privilégio de acesso ao medicamento à base de cannabis. Os pais de Grace não desistiram da causa até abrirem caminho legal a outros pacientes. Passar-se-iam dois anos até ao aparecimento de uma proposta de lei, que acabou por ser aprovada apenas em Abril de 2017.

 

As fotografias aqui apresentadas foram realizadas pela brasileira Adriana Zehbrauskas para o Washington Post. A fotógrafa trabalhou durante uma década para a Folha de São Paulo e, actualmente, trabalha como freelancer para o New York Times e outros jornais norte-americanos. Recebeu uma bolsa da Getty Images (Instagram Grant), na sua primeira edição; a revista TIME deu destaque à sua conta de Instagram, apelidando-a “Uma das 29 Contas de Instagram que Definiram o Mundo em 2014”. Presentemente, reside no México, onde trabalha como correspondente para diversos jornais estrangeiros.