Fotografia
As tribos tatuadas de Paredes de Coura
São milénios de história e, consequentemente, muitas mudanças na forma como foram sendo encaradas socialmente e nos propósitos de quem oferecia a pele para as receber. Tatuagens, isto é. Ötzi, o “homem do gelo” encontrado nos Alpes em 1991, 5300 anos após a sua morte, tinha-as desenhadas sobre articulações e outras zonas do corpo (serviriam para tratamento médico, qual acupunctura). Júlio César, suas memórias das batalhas na Gália, referiu as que viu nos corpos dos guerreiros das tribos com que se enfrentava.
Na China de há milénios, tal como no Japão, foram por vezes usadas para identificar criminosos, a quem eram tatuados caracteres identificativos dos crimes cometidos. Nas tribos da Samoa, porém, eram marca assinalando o avanço da vida e símbolo de distinção. Avançaram os tempos e algo começou a mudar. Entre o final do século XIX e o início do século XX, no Ocidente, passaram a ser comuns nos extremos da hierarquia social, exibidas tanto entre as classes operárias mais pobres quanto entre a aristocracia – nesta, com motivos habitualmente ligados à heráldica familiar ou a brasões reais: tinham-nas Jorge V, o czar russo Nicolau II ou o rei espanhol Afonso XIII.
Desde tempos imemoriais que a Humanidade convive com as tatuagens, quer intimamente ligadas a uma cultura específica (das tribos da Samoa aos Yakuza japoneses), quer enquanto expressão individual. Até muito recentemente, foram associadas a uma certa marginalidade. Nas últimas décadas do século XX, porém, tudo mudou. Democratizaram-se, tornando-se transversais a povos e a classes sociais. Não identificam marinheiros de ar duro e mil aventuras para contar, não estão confinadas a tribos urbanas específicas. São expressão individual, extensão da personalidade de quem as exibe na pele (ou da falta dela, que a democratização trouxe o belo e o horrível). São comuns a rockers, ravers e gente que não quer saber de música e parecem ser uma obrigação para qualquer futebolista ou concorrente de "reality show" que se preze.
Olhamos as fotos que Paulo Pimenta registou na última edição de Paredes de Coura e que vemos? O rosto de Nietzsche ou o Alex d’”A Laranja Mecânica” num antebraço; um amuleto índio protegendo as costas de uma rapariga; um diamante brilhando num ombro e um unicórnio numa omoplata; andorinhas estilizadas voando ao fundo das costas; um gato preparado para o Dia dos Mortos mexicano numa coxa; gravuras psicadélicas, seres mitológicos, asas de um anjo pouco católico adornado o peito de alguém. Júlio César teria muito que escrever sobre estas tribos tatuadas de 2014.