Fidel Évora: "Aqueles que colocam as mãos na terra são esquecidos"

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No muro branco de uma fábrica em Lagoa, nos Açores, está um rosto tombado, envolvido por algas e uma corrente. A proa deste barco tem uma história de uma "longa travessia". "Estive a estudar em Barcelona e fui com muito pouco dinheiro. Partilhei uma casa com emigrantes africanos, que foram lá parar depois de uma longa travessia de barco. Eu era uma espécie de outsider. Todos chegaram lá com histórias muito complicadas e eu estava a estudar design gráfico...", explicou ao P3 o artista cabo-verdiano Fidel Évora. "Um deles contou-me uma história da travessia. Saiu da Argélia num barco velho. Vinham quatro barcos juntos. Ao seu lado viajavam dois irmãos. Um deles estava muito doente. Não sobreviveu à viagem, que durou duas ou três semanas. O outro quis guardar o corpo para o enterrar na Europa, mas isso gerou uma discussão a bordo. O 'capitão' acabou por matar o segundo irmão e lançou os dois corpos ao mar. Esta peça representa o privilégio que temos de poder viajar para qualquer parte. Os emigrantes açorianos e mesmo os cabo-verdianos nunca tiveram uma dedicatória. As pessoas reconhecem quem manda, mas aqueles que colocam as mãos na terra são esquecidos". Formado em Design Gráfico na ETIC, Fidel está em Lisboa, mas "desempregado e a pensar em voltar" ao seu país natal por falta de oportunidades. "Gosto de trabalhar a memória, como a tinta nas paredes que com o tempo vai desaparecendo. A peça é inspirada no casco de um barco, tombado no fundo do mar, com a corrente quebrada e o busto a ser absorvido". Enquanto resistir fará parte do Circuito de Arte Pública, do Festival Walk&Talk. Luís Octávio Costa