CMVM chumba ida de Artur Trindade para o OMIP

Nomeação de ex-secretário de Estado para a entidade que gere o mercado ibérico eléctrico recebeu o OK dos governos português e espanhol, mas chumbou no crivo do regulador da bolsa.

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Artur Trindade é actualmente director-geral do regulador da energia ENRIC VIVES-RUBIO

A nomeação do ex-secretário de Estado da Energia e actual director-geral da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) Artur Trindade para a vice-presidência do OMIP, o operador português do mercado ibérico da electricidade, recebeu luz verde dos governos de Portugal e Espanha, mas foi chumbada pelo supervisor do mercado de capitais português, a CMVM, cujo parecer é vinculativo.

A entidade liderada por Gabriela Dias entende que a nomeação de Trindade fere as regras sobre incompatibilidades previstas na lei-quadro dos reguladores, de acordo com o projecto de decisão a que o PÚBLICO teve acesso. O OMIP já foi notificado da decisão preliminar e tem até à próxima semana para tentar dissipar as dúvidas do supervisor financeiro. Contactados, nem a CMVM, nem Artur Trindade quiseram comentar o tema. Já o presidente da ERSE, Vítor Santos, diz-se "perplexo".

Tal como o Expresso noticiou, foi na sequência da reforma do anterior presidente do OMIP, José Carvalho Neto, que a EDP e a REN (que detêm 45% do capital da Omip SGPS) entenderam nomear Trindade como vice-presidente do pólo português do mercado ibérico grossista de electricidade, onde são negociados os contratos derivados de energia, e que está interligado com o polo espanhol, o Omie, que se ocupa da negociação diária.

A ERSE também aceitou ceder o seu director-geral para desempenhar um mandato de seis anos, assegurando a vice-presidência e a seguir a presidência da entidade gestora do mercado ibérico (OMIP e OMIE partilham o conselho de administração), como mandam as regras definidas entre os dois países, que alternam na sua liderança. Porém, apesar de Carvalho Neto também ter sido trabalhador da ERSE, foi precisamente o facto de Trindade ser dos quadros deste regulador que levou a CMVM (a quem compete a supervisão do OMIP) a rejeitar a nomeação.

“A avaliação feita não incide sobre a pessoa do Dr. Artur Trindade, as suas qualidades pessoais ou aptidões”, sublinha o conselho de administração da CMVM no parecer. A decisão resulta de “um impedimento legal decorrente de uma presunção absoluta, inilidível, de existência de um conflito de interesses”, diz o documento, mencionando que os trabalhadores da ERSE, mesmo quando são cedidos por esta entidade para funções numa outra, mantêm os mesmos “deveres” para com o seu empregador. A CMVM, que pode opor-se à nomeação por “falta de idoneidade, disponibilidade ou qualificação profissional” do candidato reconhece que não faltam qualificações ou disponibilidade a Artur Trindade, mas torce o nariz no que toca à idoneidade. A lei-quadro dos reguladores “prevê um regime muito estrito de incompatibilidades” e é “à luz deste regime estrito”, aplicável em situações de cessação de funções, que se devem ler “os requisitos de idoneidade”, entende a CMVM.

O chumbo não poderia ter apanhado o presidente da ERSE mais desprevenido. “Foi uma surpresa de cair para o lado”, admitiu. Vítor Santos adiantou que a ERSE aceitou “ceder um recurso muito valioso, generosamente”, porque assim estaria a “contribuir para a promoção de um interesse público e do aprofundamento da liberalização do mercado eléctrico em defesa dos consumidores”. Não seria “nada de novo”, porque “também prescindimos do Eng. Carvalho Neto, que tinha um estatuto laboral exactamente igual ao do Dr. Artur Trindade”, acrescentou.

Sem querer comentar a decisão da CMVM, o secretário de Estado da Energia destacou “a competência e o perfil técnico” de Artur Trindade e lembrou que os dois Governos, que aprovaram a nomeação, vêem com bons olhos a ida para o OMIP de “alguém que defenda o interesse público”. Tratando-se de alguém que vem de uma entidade reguladora, “há uma garantia acrescida de que isso acontecerá”, afirmou Jorge Seguro Sanches ao PÚBLICO.

Espectadora atenta

Lembrando que a ERSE “é mera espectadora” (não nomeou, nem tem voto na matéria), Vítor Santos assumiu, no entanto, que a entidade é uma espectadora “surpreendida e interessada”: “A ERSE quer que o OMIP funcione”, pois se “o mercado grossista funcionar, os consumidores são beneficiados”.

Rejeitando a existência de um conflito entre reguladores, Vítor Santos assegurou que o relacionamento institucional com a CMVM “é excelente e vai continuar a ser”. É uma relação de dez anos (no âmbito do conselho de reguladores do Mibel) “muito estreita, muito próxima, muito produtiva”, e a surpresa com a decisão “também decorre disso”, reconheceu.

A CMVM e a ERSE constituem, com as suas homólogas espanholas, o conselho de reguladores que foi criado (no âmbito do tratado entre Portugal e Espanha que deu origem ao Mibel) para vigiar o funcionamento de um mercado que arrancou em 2007 e em que se encontram não só os produtores e comercializadores de energia, mas também intermediários financeiros e que, por isso, obedece a regulamentos da área da energia e regulamentos da área financeira.

Enquanto Portugal ficou com a gestão do mercado a prazo, a gestão do mercado diário ficou entregue à sociedade espanhola OMIE; as duas entidades têm participações cruzadas e partilham os mesmos órgãos sociais e o modo como todo o mercado funciona é vigiado pelo conselho de reguladores de âmbito ibérico, quer os sectoriais, quer os financeiros.

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