Esta pode ser a verdadeira Maria Madalena em Êxtase de Caravaggio

Uma das maiores autoridades mundiais na obra do pintor italiano, a historiadora de arte Mina Gregori, acredita ter resolvido um mistério: o quadro "perdido" pertence à colecção privada de uma família europeia que não quer sair do anonimato.

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Por trás da tela, um bilhete indica tratar-se de uma obra de Caravaggio destinada ao cardeal Borghese, o seu grande protector

Gregori, que preside actualmente à Fondazione di Studi di Storia dell'Arte Roberto Longhi, em Florença, foi contactada no início deste ano por "uma família europeia" que acreditava poder estar na posse da verdadeira Maria Madalena em Êxtase, uma pintura de que são conhecidas pelo menos oito versões. Quando se viu na presença da tela de 103,5 por 91,5 centímetros que a família conserva em sua casa, deu o mistério por resolvido: "Finalmente, é ela." Considerada perdida – juntamente com um São João, a segunda das três telas que o pintor teria consigo quando morreu, à chegada a Porto Ercole, em circunstâncias até hoje por esclarecer –, a obra, que Caravaggio pretendia entregar ao seu grande protector, o cardeal Scipione Borghese, terá sido inicialmente ficado à guarda da marquesa Costanza Colonna na sua residência do bairro de Chiaia, em Nápoles. Caravaggio confiou-lhe a missão de fazer chegar as três pinturas ao cardeal Borghese, mas apenas uma chegou ao seu destino final: o São João que hoje pode ser visitado na Galleria Borghese, em Roma.

De acordo com a investigação conduzida pela especialista, o original de Maria Madalena em Êxtase terá permanecido em Nápoles pelo menos até 1612, ano em que foi copiada pelo pintor flamengo Louis Finson, que assinou e datou essa versão actualmente exposta no Musée des Beaux-Arts de Marselha. Depois, ainda antes da viragem do século, terá passado por Roma, tal como indicia um selo de lacre da alfândega da cidade que Mina Gregori encontrou aposto na tela; o percurso que o levou daí até às mãos desta família que o transmitiu de geração em geração ainda não foi cartografado.

Um Caravaggio em casa

Como sempre que o assunto é Caravaggio, é de esperar que a descoberta agora anunciada abra um apaixonado debate: as falsas atribuições de obras ao pintor têm sido frequentes e a reabertura, em 2010, da investigação em torno da sua morte provou que Caravaggio não é de todo um tema indiferente. Até ao momento, o Ministério da Cultura italiano, que reconhece como autêntica outra versão da pintura listada numa colecção privada, e vulgarmente conhecida como Madalena Klein, ainda não reagiu ao anúncio da descoberta de Mina Gregori.

Mesmo que o conteste, a historiadora diz que será difícil contrariar os indícios de que esta é a verdadeira Maria Madalena em Êxtase. Além das características técnicas e estéticas que lhe permitem confiar tratar-se de um verdadeiro Caravaggio ("Comecei por reparar naquelas mãos intrincadas, depois notei a novidade absoluta do tema: ninguém antes pintou uma Maria Madalena assim..."), Gregori encontrou na tela um pequeno bilhete com uma caligrafia atribuível ao pintor (ou pelo menos compatível com a maneira como se escrevia nos últimos anos da sua vida) indicando que a obra deveria ficar guardada no bairro de Chiaia, em Nápoles, até à sua definitiva entrega ao cardeal Borghese. É uma peça que encaixa perfeitamente na história até agora conhecida do desaparecimento do quadro – e sobretudo na carta, encontrada em 1994 nos Arquivos Secretos do Vaticano, que o bispo de Caserta enviou ao cardeal Borghese 11 dias depois da morte de Caravaggio, informando-o de que este teria consigo três obras que se lhe destinavam. O documento, sublinhou Mina Gregori ao La Repubblica, "confirma de modo definitivo a identificação e a atribuição do quadro" a Caravaggio". 

Independentemente da polémica académica que possa seguir-se, a família que terá em seu poder uma das derradeiras grandes obras-primas do barroco italiano ainda não decidiu o que fazer com a sua Maria Madalena em Êxtase. "Actualmente, só nas colecções privadas podem ainda descobrir-se verdadeiras obras-primas. Não no mercado. Esta família, de momento, não quer publicidade. Teme os assaltos, obviamente", disse Gregori ao diário italiano. A historiadora acredita que os actuais proprietários não têm "intenção de vender" a pintura, mas também não sabe "se quererão expô-la": "Certamente desejarão conservá-la em casa, em vez de a esconder no cofre de um banco."

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